Persona | James Cameron

Obsessivo, megalomaníaco, controlador, perfeccionista. Esses são alguns dos adjetivos comumente usados para descrever a personalidade de James Cameron. Responsável por duas das três maiores bilheterias da história do Cinema (sem ter a inflação corrigida), o diretor canadense coleciona relatos sobre a dificuldade de se lidar com seu temperamento nos sets de filmagem na mesma proporção dos recordes que seus filmes batem ao redor do globo. Independentemente da reputação construída, sua capacidade de inovar e de levar seus projetos para outros patamares em termos de tecnologia na indústria consolidaram o seu nome como um dos mais visionários e inovadores da Sétima Arte.

Nascido em 16 de Agosto de 1954 na cidade de Kapuskasing (em Ontário, Canadá), James Francis Cameron inicialmente tinha escolhido, em 1973, estudar Física na universidade, no entanto, sua paixão pela escrita o fez mudar de curso para Inglês, até que decidiu abandonar o ensino superior de vez no fim de 1974. Trabalhou como motorista de caminhão e zelador, usando seu tempo livre para escrever e também estudar sobre efeitos especiais, desde impressão ótica, passando por projeção na tela frontal, e até sobre transferência de tinta. Enfim, qualquer assunto que remetesse à tecnologia de filmes que encontrasse na biblioteca. No entanto, após se impressionar com o que viu em Star Wars, o jovem decide abandonar tudo e entrar para a indústria do cinema.

 

Início da carreira

A carreira na direção de Cameron começa em 1978, com seu primeiro projeto dirigido (escrito e produzido por ele com um amigo) chamado Xenogenesis — um curta de ficção-científica de doze minutos, realizado após conseguir dinheiro emprestado com um consórcio de dentistas. Em seguida, conseguiu o trabalho de assistente de produção no longa de 1979 Rock ‘n’ Roll High School.

Enquanto aprendia mais sobre técnicas cinematográficas, o canadense começou um trabalho como fabricante de modelos em miniatura para os estúdios de Roger Corman, mais conhecido por ser um pioneiro para o cinema independente e para as produções dos chamados filmes B. Ele logo foi contratado como diretor de arte do filme de ficção científica Mercenários das Galáxias de 1980, foi responsável pelos efeitos especiais do clássico Fuga de Nova York dirigido por John Carpenter em 1981, serviu de designer de produção para o longa-metragem (também de 1981) Galáxia do Terror e de consultor para o design do filme Android Muito Mais que Humano no ano seguinte.

Ainda em 1982, a princípio contratado para a função de diretor de efeitos especiais da sequência do filme Piranha, de 1978, intitulado Piranha 2: Assassinas Voadoras, Cameron acabou tendo sua primeira oportunidade na direção de um longa-metragem após a saída do diretor original devido a diferenças criativas com o produtor do filme Ovidio Assonitis. No entanto, o que era para ser uma experiência memorável e marcante, acabou se tornando um pesadelo devido aos conflitos que teve com Assonitis, o que o levou a não considerar seu trabalho nesse longa como sua estreia por trás das câmeras. Hoje o canadense brinca dizendo que “é o melhor filme de terror/comédia sobre peixes assassinos voadores já feito“.

Contudo, todos os problemas, estresses e conflitos ocorridos em meio às complicadas filmagens de Piranha 2: Assassinas Voadoras valeram à pena porque em uma dada noite, desiludido com seu trabalho e com febre, o diretor teve um pesadelo que consistia sobre um robô assassino invencível que veio do futuro para matá-lo. Sim, foi aí que nasceu a ideia para seu segundo, muito mais bem-sucedido e aclamado filme O Exterminador do Futuro. Fazendo 78 milhões de dólares de bilheteria e angariando elogios da crítica, o nome de James Cameron foi catapultado e a partir desse momento sua carreira nunca mais seria a mesma.

 

Homem vs. Máquina

Ao longo da filmografia de James Cameron, alguns temas são trabalhados de forma recorrente pelo diretor, sendo um deles o conflito do Homem contra a Máquina. Em filmes como o já citado O Exterminador do Futuro e na sequência O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final, esse embate abre espaço para se debater a dependência do ser humano em relação à tecnologia e o quanto isso pode nos condenar. É a criatura se voltando contra a criador, sendo interessante notar que o comportamento do T-800 de Arnold Schwarzenegger (e suas variações) reflete a própria personalidade da humanidade para o bem ou para mal, seja a nossa natureza violenta e predatória ou nossa capacidade de sentir e ter esperança, por exemplo.

Como dito por Sarah Connor (Linda Hamilton) ao final de O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final, se uma máquina pode aprender o valor da vida humana, talvez a humanidade também possa, afinal, nós nos destruímos com guerras, nós criamos armas que podem nos dizimar em questão de minutos, nós não valorizamos e protegemos o planeta que vivemos. Tudo isso em nome da ganância, do controle e do poder. Se mudarmos nossos comportamentos e passássemos a valorizar nossa própria existência, esse confronto entre Homem e Máquina pela dominação do planeta não ocorreria.

 

Homem vs. Natureza

Outro tema abordado nos filmes de Cameron é o confronto entre o Homem e a Natureza. Ambientalista, o diretor explora o tema de forma mais direta em Avatar, seu longa mais incisivo nas questões relacionadas à preservação do meio ambiente. Pandora, apesar das suas particularidades presentes na fauna e flora, possui um ecossistema muito semelhante ao da Terra. Seu equilíbrio está em perigo devido aos interesses de exploração desenfreada e violenta por parte do “Povo do Céu” – os humanos – de um minério muito valioso num local sagrado para a população nativa, os Na’vi. O longa de 2009 busca fazer uma reflexão do caráter predatório em nome do lucro que o Homem possui em relação às riquezas do meio ambiente.

Em Titanic, de 1997, existe um paralelo tanto entre a relação Homem vs. Natureza quanto a relação Homem vs. Máquina. A imponência e tamanho do navio representam a confiança nos avanços tecnológicos da humanidade na época, bem como a sua arrogância. Para seus criadores, aquela máquina era imbatível em todos os sentidos, nem Deus poderia afundá-la. Entretanto, o que acontece é o oposto, o navio naufraga em sua viagem inaugural, levando consigo cerca de 1500 dos 2200 passageiros. O iceberg em que o navio colidiu representa a força da natureza contra a fragilidade humana. Não importam os avanços tecnológicos desenvolvidos pelo Homem, ela sempre será soberana e mais poderosa.

O Segredo do Abismo, infelizmente um de seus filmes menos lembrados, trabalha essa relação ao colocar seus personagens numa plataforma de exploração de petróleo no fundo do oceano. Ou seja, eles estão a mercê da natureza ali, suas limitações estão ainda mais expostas. O mais curioso é que Cameron coloca aquele ambiente como o local onde se esconde a solução para se resolver o comportamento belicoso da humanidade, assim como a sua própria indiferença pela própria vida. É um paralelo interessante porque, para especialistas, o fundo do mar é mais desconhecido para o Homem do que o solo lunar, e ali, espaço praticamente intocado, está o segredo para os males do mundo.

Por fim, é importante ressaltar que em Aliens – O Resgate, sequência do clássico absoluto de Ridley Scott, também consegue se discutir a relação do homem com a natureza assim como as implicações da tecnologia. Para combater os diversos Xenomorfos presentes no longa, o grupamento tático está fortemente armado com o que existe de mais poderoso e avançado naquele contexto, no entanto, não se mostra suficiente.

No longa, os aliens podem ser vistos como uma defesa da natureza contra a invasão humana naquele planeta inóspito. Lembrando que foi a curiosidade do ser humano que deu início ao que acontece em Alien – O 8º Passageiro e se repete no filme de Cameron. Aqui existe uma tentativa de colonização do local, lembrando bastante o que aconteceu na expansão para o Oeste nos Estados Unidos assim como o povoamento das colônias portuguesas e espanholas na América do Sul, sempre em nome da busca e exploração de riquezas.

O conflito final entre a Tenente Ripley (a excelente Sigourney Weaver), dependente de um aparato tecnológico para lutar de igual para igual face a sua fraqueza, e a Rainha dos Xenomorfos é a síntese do confronto entre o Homem vs. Natureza.

 

Mulheres fortes protagonistas

Sarah Connor, Tenente Ripley, Helen Tasker (Jamie Lee Curtis), Rose DeWitt Bukater (Kate Winslet) e Neytiri (Zoe Saldana) são alguns exemplos de protagonistas dos filmes de James Cameron. Todas tem em comum o fato de serem personagens femininas que fogem do esteriótipo de fragilidade e dependência de um homem que tanto é visto no cinema. Pelo contrário, muitas delas entraram para a história da Sétima Arte justamente pela sua força e independência.

É claro que nem todas são iguais, cada uma tem seu arco e em seus respectivos longas elas vão mudando com a passagem da história. Por exemplo, em Titanic, a personagem de Kate Winslet, inicialmente refém de uma sociedade que ela simplesmente não suporta mais, ao conhecer o personagem de Leonardo DiCaprio começa a se distanciar de sua redoma social e passa a se aventurar. Atitude essa que mantém mesmo após a morte de seu amado, como fica claro em uma das cenas finais, cuja câmera de Cameron vai passeando por porta-retratos de Rose em diversas viagens pelo mundo, mostrando que sua vida seguiu e ela pôde finalmente usufruir de uma liberdade que não teve por muitos anos.

Em True Lies algo semelhante acontece. A personagem de Jamie Lee Curtis é uma esposa devota ao marido (interpretado por Arnold Schwarzenegger) que está sempre ausente e parece que não a escuta. Ignorada e almejando algo mais de um casamento que parecia ter entrado no piloto automático de forma definitiva, ela, ao descobrir que o esposo tem uma vida dupla e na verdade é um espião, entra numa espiral de ação e perigo digna da vida de um agente secreto. É o que ela precisava para se libertar de uma vida sem emoções e monótona. E, apesar de ser assustador e mortal, ela nunca se sentiu tão viva a ponto de se tornar parceira de espionagem do marido e participar com ele de novas missões.

Porém, nada se compara a Sarah Connor e a Tenente Ripley, duas das mais conhecidas heroínas de ação do cinema. Enquanto a primeira, a princípio é tratada como uma vítima, aos poucos vai entendendo a importância de seu papel para salvar o mundo, se transformando em peça essencial na batalha contra as máquinas; a segunda, já estabelecida graças ao primeiro filme, em Aliens – O Resgate tem seu desenvolvimento expandido por Cameron. Ele trará a questão da maternidade para a personagem, o que se tornará uma motivação contra os Xenomorfos a partir do momento em que ela cria laços de afetividade com a pequena sobrevivente da colônia de humanos Newt (Carrie Henn).

 

Água

Não existe diretor que saiba fazer filmes com água como James Cameron; é simplesmente o seu elemento. Parte importante de longas como Titanic e O Segredo do Abismo, é onde o canadense mostra todo o seu diferencial e domínio da técnica.

Comprovando sua paixão pelos oceanos, o canadense tem em seu currículo três documentários que exploram o fundo do mar: A Expedição de James Cameron ao Bismarck, de 2002, que acompanha uma expedição submarina até os destroços do couraçado alemão Bismarck e que reconstrói digitalmente o momento de seu naufrágio durante a Segunda Guerra Mundial; Ghosts of the Abyss, de 2003, que acompanha uma outra expedição marinha do diretor, só que dessa vez aos destroços do Titanic com o objetivo de obter imagens mais detalhadas do navio; e Aliens of the Deep, que em parceria com cientistas da NASA, Cameron explora cadeias submersas de montanhas nos oceanos Atlântico e Pacífico que abrigam algumas das formas de vida mais incomuns do planeta. Os dois últimos foram filmados em IMAX 3D.

Os próximos filmes da franquia Avatar vão expandir o universo de Pandora ao explorar novas regiões do planeta, especialmente seu ecossistema marítimo. Para tal, o diretor desenvolveu especialmente para esses longas a tecnologia de captura de movimento debaixo d’água, algo nunca feito antes.

 

Tecnologia

Falando em desenvolvimento de novas tecnologias, Cameron é um visionário quando o assunto é avanço tecnológico no cinema. Para Avatar sair do papel, o diretor esperou mais de dez anos até que a tecnologia necessária para atingir a sua visão para o filme estivesse disponível. E essa espera valeu a pena. O que ele alcançou com a captura de movimento em 2009 foi algo nunca antes visto. Toda a expressividade dos atores conseguiu ser transferida para os seres gigantes azuis de computação gráfica, inclusive nos olhares. Além disso, a decisão pelo uso do 3D para dar profundidade ao que se vê em tela é considerada uma descoberta em tecnologia cinematográfica. E, como falado antes, a tecnologia para captura de movimento embaixo d’água desenvolvida para os próximos filmes da franquia é algo totalmente inédito.

Outro feito elaborado por Cameron e sua equipe foi a criação de câmeras e lentes que aguentassem filmar em grandes profundidades, como, por exemplo, em Titanic. Para gravar imagens dos destroços a quase quatro mil metros de profundidade, um novo equipamento de filmagem foi produzido para aguentar a pressão da água, assim como capaz de encaixar nos pequenos submarinos usados para se chegar ao navio.  Em O Segredo do Abismo algo semelhante aconteceu. O diretor de fotografia do longa Mikael Salomon usou três câmeras em caixas estanques especialmente projetadas para as filmagens.

Ainda nesse filme, efeitos especiais sofisticados para a época foram desenvolvidos, com destaque para a sequência em que o tentáculo feito de água dos alienígenas explora a plataforma e tem contato com os humanos. Essa cena relativamente curta demorou mais de seis meses para ser feita, sendo a primeira vez que efeitos gerados por computador foram usados para criar o movimento da água no cinema. A mesma tecnologia seria aprimorada e utilizada em O Exterminador do Futuro 2 para simular o metal maleável presente na estrutura do T-1000. Por falar nesse longa, na sua época de lançamento, foi considerado o filme com maior quantidade de efeitos em CGI já feito.

 

Conquistas

O diretor canadense, sem dúvidas, provou em quase quatro décadas de carreira na direção que é um cineasta visionário e corajoso. Seu perfeccionismo e megalomania o levaram a alcançar patamares nunca antes vistos no cinema, contribuindo para seu aperfeiçoamento e também para a experiência do espectador. E tudo isso foi recompensado com duas das três maiores bilheterias de todos os tempos: Titanic e Avatar. O filme de 1997 foi o primeiro longa a romper a barreira de 1 bilhão de dólares de bilheteria e o longa de 2009 o primeiro filme a romper a barreira dos 2 bilhões de dólares. É o único diretor a ter duas obras acima dos dois bilhões de dólares (Titanic ultrapassou esse valor com o seu relançamento em 3D em 2012).

Seus longas, até o momento, ganharam 21 Oscars de 41 indicações ao prêmio, sendo Titanic, sozinho, vencedor de 11 estatuetas em 1998 — três delas indo para Cameron, que além de ganhar Melhor Direção, ganhou Melhor Edição por ser um dos montadores e Melhor Filme por ser um dos produtores da obra. Ao todo, seus oito longas acumularem mais de 6 bilhões de dólares de bilheteria, fazendo dele um dos diretores mais bem sucedidos financeiramente do mundo.

O legado de James Cameron é inegável e grandioso, que seguramente continuará rompendo as barreiras do cinema cada vez mais em seus próximos projetos. Apaixonado pela Sétima Arte e pelas possibilidades que ela pode trazer, o artista nunca está satisfeito e no “piloto automático”; ele quer sempre desbravar o novo para deixar sua marca e visão. Trabalhar com ele pode ser até uma tarefa difícil que exige muita paciência de sua equipe e atores, mas certamente é recompensador. E como é!

Gostou? Siga e compartilhe!

Vinicius Dias

Carioca graduado em Relações Internacionais, não sabe muito bem quando começou a sua paixão pela Sétima Arte, mas lembra de ter visto Tarzan (1999) no cinema três vezes e de ter sua fita dupla de Titanic (1997) confiscada pela sua mãe por assistir ao filme mais vezes do que deveria. Não gosta de chocolate, café e Coca-Cola, mas é apaixonado por Madonna, Kylie Minogue e Stanley Kubrick.

vinicius_bmcd has 84 posts and counting.See all posts by vinicius_bmcd

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *