Passaporte | 120 Batimentos por Minuto
No final da década de 1980 e início da década de 1990, tivemos o surgimento do grupo não-governamental ACT UP, formado em sua maioria por homossexuais que lutavam contra o conservadorismo para passar mais informações sobre o HIV e ajudar pessoas soropositivas. O diretor Robin Campillo, consegue transmitir todo o sentimento de urgência que aquelas pessoas infectadas vivem de forma bem convincente, sem exageros e com uma dinâmica incrível entre seus personagens. O fato do idealizador focar num grupo e não apenas em protagonistas poderia fazer com que toda a parte mais dramática perdesse força, mas aqui acontece o contrário, tudo aquilo se fortalece, com debates e momentos descontraídos.
A narrativa meia documental dá ainda mais força nas ações dos personagens, nos colocando dentro de cada debate, nos fazendo refletir e, em certos momentos, nos pegamos tentando formar uma opinião. Creio que o maior mérito do longa seja a forma como ele ilustra o mundo em que um homossexual contaminado pelo vírus vive. Tenho certeza de que não conseguimos absorver tudo o que essas pessoas passam, mas só de nos passar uma pequena ideia, já faz com que todos nós paremos para pensar nos motivos de entrar em uma luta. Muitos ali estão mais focados em conseguir benefícios para a pessoa ao lado, ou até mesmo para as próximas gerações, do que para si mesmo. Reconhecendo que a luta é de todos e não apenas de uma parte da população.
As metáforas utilizadas no filme também são bastante inventivas, como a de partículas de poeira realçadas por luzes em uma festa, que acabam se transformando em células e logo depois as mesmas sendo consumidas pelo vírus. É um exercício de linguagem bastante incomum, colocando os personagens em um momento de liberdade e descontração e, ao mesmo, tempo lembrando que estão todos presos em uma luta dolorosa.
Temos uma trilha sonora pulsante bastante presente durante toda a projeção. Com um piano constante, trazendo melancolia e uma batida eletrônica que traz total sensação de liberdade. Juntando todos esses elementos, o diretor nos coloca em meio a uma longa cena de sexo, sem soar apelativa, participando diretamente no desenvolvimento dos personagens, transmitindo prazer, felicidade e total conforto. Mostrando que, mesmo com uma maldita doença, as pessoas podem se apaixonar sem medo. Sem dúvidas, já é uma das cenas mais belas do ano.
Um dos pontos em que o filme falha é o de mostrar poucos momentos em que as pessoas transmitiam toda a sua desinformação perante o assunto abordado. Uma das poucas cenas que isso é exposto acontece durante uma das ações do ACT UP em uma escola, onde uma jovem diz que só faz sexo sem camisinha e que não vê nenhum risco por não ser gay. Creio que se isso fosse mais explorado toda a crítica ao conservadorismo seria mais poderosa.
Outra ressalva é o fato do longa se prolongar demais, isso afeta o ritmo durante os vinte minutos finais, colocando cenas que acabam tirando um pouco do peso e a mensagem de tudo que foi transmitido. Tem uma bela sequência em que a respiração de um dos personagens está em destaque e na tela sobrevoamos o rio Sena todo em vermelho. O filme poderia ter uma última cena nos transmitindo várias sensações e reflexões, sem precisar de um diálogo.
120 Batimentos Por Minuto é um belíssimo filme, mesmo abordando um tema tão cruel. Ao mesmo tempo que somos colocados no meio de uma luta que dificilmente será vencida, temos esperança e absorvemos todo o carinho dos personagens. Aprendemos a não recuar e sempre seguir lutando, mesmo que as maiores dificuldades estejam a postos.
Nota: ★★★★✰
Ficha Técnica
120 Batimentos por Minuto (120 battements par minute)
Ano: 2017
Direção: Robin Campillo
Roteiro: Robin Campillo, Philippe Mangeot
Elenco: Nahuel Pérez Biscayart, Arnaud Valois, Adèle Haenel, Antoine Reinartz, Aloïse Sauvage