Horrorscópio | mãe!

 

Durante toda sua carreira, Aronofsky vem acumulando bons filmes que passam sempre algum tipo de mensagem psicologicamente forte. Sendo assim desde o início de sua trajetória, já há algum tempo o diretor parece falar sobre a bíblia judaico-cristã. Aqui ele traz sua interpretação, trabalhando em um roteiro cheio de metáforas visualmente bem funcionais. E dessa forma a narrativa vai caminhando entre esses pequenos conjuntos de metáforas, fazendo-o questionar mais e mais a cada cena, vai se tornando um exercício interessante, mas ao mesmo tempo perigoso, pois isso pode cansar o público.

Toda a ambientação consegue entregar bem o que o seu idealizador almeja. Logo na primeira cena vemos o caos dando lugar a ordem, e a personagem vivida pela Jennifer Lawrence despertando de um profundo sono, a câmera a acompanha durante toda a casa, enquanto a mesma procura pelo marido (Javier Bardem), a fotografia escura e sem vida causa uma certa aflição. Até que ela finalmente o encontrar e neste momento temos luz entrando em cena, como se toda felicidade estivesse presente quando ele está por perto.

A clara representação que aquela casa é tratada como paraíso, Terra e céu, chega ser evidêntica quando o porão é a única parte da residência onde sentimos as trevas, incomoda, com paredes de pedra queimadas e o terrível sentimento ao ser levado aquele local isolado. Enquanto o resto da casa é trabalhado com cores mais vivas e uma iluminação mais agradável. É importante observar que durante a primeira cena que mencionei, o caos da está vindo de lá e nunca é totalmente consumido pela ordem.

As interpretações têm uma energia tempestuosa, passando uma ótima energia para a trama, Lawrence, que é sempre seguida pela câmera do diretor, quase como um fascínio. Nos traz a inquietação, a curiosidade, a vida e o desespero, em uma atuação forte, como eu disse, a câmera nunca a deixa, e a consistência também não. Desde o primeiro minuto até o final do filme, ela se mantém segura. Bardem é misterioso, pouco se descobre dele, mas transmite um carinho por quem o admira e ira por quem o contradiz. Outra interpretação que merece ser pontuada é a de Michelle Pfeiffer, que mesmo sendo uma coadjuvante e tenha menos tempo em tela, é intensa e poderosa, trazendo pecado e desconfiança.

Ao abordar um livro tão forte, é impossível não se falar em humanidade. Aronofsky, claramente não deixou isso de lado e o fez de uma forma totalmente explícita. Diferente do que vinha fazendo durante todo o filme. Já que tudo eram metáforas discretas, isso acaba pesando um pouco para que o filme se torne autoexplicativo. O fanatismo humano pela adoração divina, a agressividade pela interpretação errada da palavra e a forma de como sempre serão perdoados, bastando se arrependerem, é posta em cena. Mesmo com a tensão do momento, esse terceiro ato perde forças. Caminhando para o didatismo e deixando todo o sentimento de reflexão que o público poderia fazer por um bom tempo de lado.

A forma com que o roteiro aborda a natureza é bem expositiva mas funciona bem. A natureza que imaginamos, ser representada dentro de uma casa parece ser complicado, mas o diretor usa o artificio de humaniza-la. Como nós humanos a agredimos, como queremos molda-la do nosso modo, achando que estamos fazendo um favor, mas a maltratando até o ponto de que ela tenha que revidar. A inteligente maneira que isso tudo é feito, com pequenos detalhes em cenas e até mesmo em atitudes que podem passar despercebidas, nos faz observar aquilo com outros olhos. Pois, nós humanos só nos importamos conosco. E a mania de sempre pecar contra qualquer ser, ao saber que seremos perdoados, bastando nos arrepender daquilo. A tão esperada misericórdia de Deus, retratada como seletiva, amando e perdoando quando se é adorado, excluindo tudo aquilo que o deixa de lado, tratando como um qualquer alguém que sempre esteve ao seu lado, e com um amor maior aqueles que chegam depois, mesmo desafiado a emoção de ser amado por algo novo o atrai.

 mãe! não é um filme fácil, a digestão é lenta e a interpretação pode ser totalmente diferente de uma pessoa para outra, mas, passa uma mensagem bastante intensa sobre uma visão nada convencional do livro que é considerado sagrado por boa parte das pessoas do planeta. É algo que está totalmente fora da curva do que o cinema americano vem produzindo, pena que no final o roteiro perde força e mesmo intenso, deixa escapar uma boa oportunidade de deixar o público abrir mais portas sobre a interpretação daquilo tudo. E por fim o diretor nos faz uma pergunta: Para Deus, tudo pode ser refeito, tudo pode ser substituído, menos o seu amor por ele? E Aronofsky definitivamente nos dá a sua resposta.

 

Nota: ★★★★✰

 

Ficha Técnica

mãe! (mother!)

Ano: 2017

Direção: Darren Aronofsky

Roteiro: Darren Aronofsky

Elenco: Jennifer Lawrence, Javier Bardem, Ed Harris, Michelle Pfeiffer, Domhnall Gleeson

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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