Miss in Scene | Frances Ha

“Eu gosto de coisas que parecem erros” 

Não foram muitas as vezes em que o cinema entregou personagens tão autênticas como Frances, protagonistas, donas da história e com o próprio nome dando título ao filme. Frances Ha foi escrito por Noah Baumbach e Greta Gerwig, embora Noah já tenha declarado que toda a ideia do filme tenha vindo de Greta. Aqui está uma “comédia romântica” escrita por uma mulher, que não dialoga sobre encontrar o par ideal para um relacionamento amoroso. Não é que Frances não esteja interessada nesse tipo de amor — ela vai num encontro ou outro — mas isso não é uma prioridade em sua vida. O filme parece fazer a desconstrução da “comédia romântica” clássica, faz os homens vagarem de maneira insignificante, dentro e fora da vida de Frances, e ainda assim é uma história de amor.

Você tem 27 anos, mora em Nova York, uma carreira confusa, pouco dinheiro e uma melhor amiga que se muda para o Japão. Esse é o cerne do roteiro — sem distrações de romance — e aqui já se pode estabelecer Frances como uma heroína incomum e adorável. É um filme sobre aceitar as coisas como elas são, em vez de se sentir infeliz tentando alcançar um sonho que talvez não seja o certo para você. Parece derrotista, mas não é. Essa ideia está bem implícita quando a personagem diz: “Eu gosto de coisas que parecem erros”. É a declaração de que se pode encontrar beleza nas falhas da vida.

Através da performance inesquecível de Gerwig, que oscila lindamente entre a falta de jeito, a confusão e a alegria desenfreada, a personagem é o tipo de figura transcendente que só o cinema pode proporcionar. Como Benjamin Braddock, personagem de Dustin Hoffman em A Primeira Noite de um Homem, ela parece capturar o momento.

O filme está repleto de cenas marcantes, como quando a protagonista corre pelas ruas de Chinatown, dança, faz piruetas e brinca com as pessoas ao redor, enquanto David Bowie canta “God and man don’t believe in modern Love”, (Deus e o homem não acreditam no amor moderno”). Interessante perceber, nas diversas nuances da personagem, que ela não rejeita o amor, apenas explora a mudança de concepção do amor de hoje e expande para valorizar verdadeiramente as amizades. Há uma cena em que Frances expressa essa ideia, quando diz o que espera da vida e como essa percepção deveria refletir em seus relacionamentos e na forma de amar. Ela diz:

“É isso que eu quero em um relacionamento, o que meio que explica porque estou solteira agora. É difícil de explicar. É uma coisa quando você tá com alguém e você ama a pessoa e vocês sabem disso. Vocês estão juntos, mas é uma festa, sabe? Os dois estão conversando com pessoas diferentes. Você tá lá sorrindo e olha para o outro lado da sala e vocês trocam olhares. Mas não porque são possessivos ou que seja algo sexual, mas apenas porque aquela é a pessoa da sua vida. E isso é engraçado e triste, mas só porque esta vida vai terminar. E é esse mundo secreto que existe bem ali em público, mas imperceptível, que ninguém vai ficar sabendo. É tipo como dizem, que existe uma outra dimensão ao nosso redor, mas não temos a habilidade de notar. Sabe? É isso. É isso que quero de um relacionamento. Ou da vida, eu acho. Amor.” 

Essa é outra ideia que está presente na história. Almas gêmeas — não num sentido tão místico, mas no sentido racional, o da afinidade e sintonia — talvez existam, mas em pessoas e modos diferentes do que poderíamos esperar. Frances é uma mulher que não se mantém atada a padrões para idealizar algum tipo de relação. Ela apenas acredita na própria verdade e é isso que a guia em todas as suas escolhas. Comete erros, admite os vacilos com naturalidade e cresce durante a história. Por isso, o prazer que sentimos ao ver sua alegria quando se sente realizada, e que para isso só precise de um olhar sincero da melhor amiga ou das poucas tralhas encaixotadas na sala de um novo apartamento.

Frances Ha

Frances Ha é precisamente uma declaração feminista sem falar abertamente sobre feminismo, pois as ideias se escondem nos detalhes do filme. Frances ensina balé para meninas, é solidária com uma jovem que chora no corredor de um dormitório, usa jaqueta de couro com saia, é sempre sincera consigo mesma e passa por uma separação épica com sua melhor amiga Sophie. São sutilezas que nos fazem sentir o quão autêntico o filme é, e ao mesmo tempo captamos esse humor, a falta de jeito e a ansiedade que todos nós enfrentamos ao final dos vinte anos. O filme diz algo muito especial sobre gênero e mostra que as mulheres podem ser confusas, graciosas, artísticas, ambiciosas e atenciosas, tudo de uma vez. Estranho pensar que uma verdade tão óbvia poderia fazer um filme parecer tão sublime.

A heroína do filme, e tema do primeiro Miss in Scene, é Greta Gerwig. Atriz, roteirista e diretora, recentemente indicada ao Oscar na categoria “Melhor Diretor” por seu trabalho em Lady Bird.

Obs: Frances Ha está disponível na Netflix.

 

Ficha técnica:

Poster Frances Ha

Título original: Frances Ha

Ano: 2013

Direção: Noah Baumbach

Roteiro: Noah Baumbach e Greta Gerwig

Elenco: Greta Gerwig, Mickey Summer, Adam Driver, Michael Zegen

Fotografia: Sam Levy

Trilha sonora: Sara Matarazzo

 

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Elaine Timm

Elaine é gaúcha, formada em Jornalismo, atua como social media e curte freelas. Blogueira de várzea, arrisca escritas diversas. Cinéfila, amante dos livros, musical e nerd desde criança, quer ser Jedi, mas ainda é Padawan. Save Ferris.

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