Persona | Sra. O’Brien (A Árvore da Vida)

 

Terrence Malick ficou mais de 20 anos sem fazer qualquer filme, finalmente lançando Além da Linha Vermelha no final da década de 90, com um elenco repleto de astros. Contudo, apesar do sucesso de crítica, foi apenas com A Árvore da Vida que o estilo “malickiano” atingiu o ápice como forma artística.

Com a audácia de abordar o poder das relações humanas e a efemeridade da vida em si, a obra em questão ganha contornos filosóficos por exponenciar as imagens numa ótica muito maior que nós mesmos. É aí que reside a genialidade do diretor de utilizar a mãe (interpretada por Jessica Chastain) e o pai (Brad Pitt) daquela família situada numa cidade pacata do Texas, em plena década de 1950, como ferramentas para representar determinados conceitos.

Se o personagem paterno é uma alusão à disciplina e autoridade (e por que não, a Deus?), a atriz (no que considero a melhor atuação de sua carreira) vai na contramão para firmar-se como a figura dócil e compreensiva — deliberadamente adquirindo um aspecto angelical para demonstrar esse abismo entre os dois personagens; em outras palavras, pode ser entendida como a própria imagem da Mãe das Mães.

árvore da vida

Parafraseando o que ela afirma: enquanto a Graça é solidária, a Natureza é, inevitavelmente, por essência, impiedosa. Logo, não é nada surpreendente presenciar a mesma entregar um copo d’água para um indivíduo algemado ao lado do carro da polícia, enquanto o pai tem e exibe modos fortes e duros de ensinar sua cria, sendo que — ao mesmo tempo — possui momentos agradáveis com eles, consequentemente estabelecendo que sua afeição é tão grande quanto à da Sra. O’Brien; porém, sua maneira de expor esse sentimento é realizada numa escala bem diferente.

É revelador, por exemplo, notar que a ideia de divindade é exclusivamente citada pelo genitor, enquanto a mãe apenas discursa (sem qualquer vestígio de violência e intolerância) sobre amor, compreensão e perdão — conceitos universais que não estão interligados, necessariamente, com religião ou qualquer coisa do tipo.

O imaculado trabalho de fotografia feito por Emmanuel Lubezki (mesmo com três estatuetas douradas, é inexplicável sua derrota naquele ano) consegue simbolizar todas essas alegorias que o realizador quer passar, colocando a Sra. O’Brien sempre em contato direto com a Natureza (vemos frequentemente a personagem andando descalça na grama, brincando com seus filhos e interessada no toque materno de todas as coisas que a envolvem), como também a iluminando por uma luz quase divina, inclusive deixando a cintilação atravessar simples objetos para ressaltar sua forma pura. Como se não fosse suficiente, a enxergamos com figurinos delicados e com cores claras primárias para reforçar toda essa noção.

árvore da vida

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Mesmo com o infinito carinho e devoção que possui por tudo ao redor (seus diálogos existencialistas somente fortalecem essas emoções), o conflito ideológico que detém com seu parceiro talvez seja a principal razão para os medos, receios e dúvidas de seu filho Jack (Sean Penn, na versão adulta), que culmina na excruciante sensação de luto que marca para sempre as vidas daqueles indivíduos.

Por isso, não é à toa que a enxergamos ocasionalmente com um semblante extremamente triste e doloroso, praticamente chegando ao ponto das lágrimas caírem em sua face por causa não só da mágoa pela perda do querido filho, mas também pelo constante confronto e divergência que possui no próprio lar.

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A narrativa cosmicamente atemporal que Malick imprime é de uma sensorialidade única. Sendo assim, o encontro final dela (em determinado momento até carrega seu falecido filho nos braços) com Jack num local aparentemente celestial é como se toda essa arquitetura sentimental ganhasse vida porque tudo é exposto pela postura e os olhares transparentes. É o amor intenso transbordando na tela diante de nossos olhos, fazendo um interessante convite para refletir sobre nossas relações familiares, amorosas e até o papel em que somos obrigados a desempenhar nesse universo repleto de mistérios.

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The only way to be happy is to love. Unless you love, your life will flash by.” (“A única maneira de ser feliz é amando. A não ser que você ame, sua vida passará rapidamente.“)

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Jonatas Rueda

Capixaba, formado em Direito e cinéfilo desde pequeno. Ama literatura e apenas vê séries quando acha que vale muito a pena. Além do cinema, também é movido à música, sendo que em suas playlists nunca podem faltar The Beatles, Bob Dylan, Eric Clapton e Led Zeppelin.

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