Horroscópio | Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado

 

“Aqui se faz. Aqui se paga”. O ditado popular tem todo o sentido neste filme. A verdade é que Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado ainda mantém um tema atual: as consequências de uma juventude firmada na eloquência. A fita, seguindo o encalço do sucesso de Pânico de Wes Craven, exibe a cartilha clássica do estilo slasher, só que com uma direção firme e um roteiro sem gags proposto por Kevin Williamson — que adaptou seu argumento através do popular romance de Lois Duncan lançado em 1973. Reuniu grandes ícones teens da época, como Sarah Michelle Gellar, Jennifer Love Hewitt, Ryan Phillippe e Frieddie Prinze Jr. Lançado em 17 de outubro de 1997, tornou-se um sucesso de bilheteria: a arrecadação atingiu mais de 125 milhões mundialmente.

A narrativa centra-se em Southport, uma pequena cidade litorânea dos Estados Unidos, no qual a atividade da pesca é evidente. Quatro adolescentes atropelam um homem sem identidade. Para não serem julgados, decidem se livrar do corpo, atirando-o ao mar. E fazem uma espécie de pacto ao firmar o laço de silêncio sobre o assunto. Um ano após o fatídico evento, algumas correspondências (que trazem em seu interior a frase do título do filme) passam a atormentar a aparente vida de tranquilidade de cada um. Como manter em segredo um crime hediondo? Será que alguém decidiu se vingar de tais jovens inconsequentes? Gradualmente, cada um passa a ser perseguido por um assassino sem identidade definida.

Como se livrar da culpa? O mote de tensão se articula desde o princípio. O drama, até por vezes melancólico, na criação da relação do trauma do acidente, é visível. O filme cria a “aura mórbida” até mesmo na abertura, com a música Summer Breeze, interpretada pelo Type O Negative, ao exibir os créditos iniciais como um convite ao espectador ávido por cenas de horror imediato. A direção de Jim Gillespie favorece a interação psicológica: Temos a situação de perigo que os jovens vivenciam. Será que foram descobertos por alguém, afinal? Alguém viu o acidente e decidiu condená-los? O que fazer para o segredo não ser exposto socialmente?

eu sei o que vocês fizeram no verão passado

Com referências diretas aos clássicos Sepultado Vivo e Eu Vi O Que Você Fez, Eu Sei Quem Você É, a trama sabe criar o jogo de aparências de um bom enredo de slasher. Não é surpresa que os protagonistas desta história, de culpa e medo, rendam-se à vitimização: Tornam-se alvos de alguém que os persegue; e temem por tal condição.

Interessante a “figura do medo” criada pelo roteiro — ao invés do mascarado, como Ghostface (da franquia Pânico), Williamson induz o espectador ao horror de uma forma semelhante. O assassino, que se mantém à espreita e decide vingar-se dos jovens, aparece com trajes escuros, encapuzado, com a mão direita que exibe um gancho indefectível. O rosto sempre permanece oculto, numa espécie de indumentária de pescador. Pronto, temos a concepção de terror centrado em sequências que mesclam jump scare e tom gradual de tensão.

Em termos de concepção de thriller, o filme assume-se como slasher porque se utiliza de referências ao padrão do estilo, semelhante ao Halloween, por exemplo. A caricatura de colocar a figura de um assassino de aparência que amedronta e desnorteia os personagens — inclusive, a colocação de adolescentes frágeis, com gritos constantes, apavoradas em posição de submissão —, são elementos comuns do gênero.

Tanto para a personagem defendida pela Love Hewitt (Julie, claramente, parece sentir-se mais aflita e com sentimento de culpa que os demais) ou mesmo para Gellar (Helen aparenta a mais ansiosa quanto à exposição do crime que cometeu em coletivo), o processo de tensão é mais direcionado — afinal, como todo slasher: a posição das mulheres sempre tende a ficar mais direcionada à fragilidade. Por sinal, há uma aproximação entre a personagem Julie e da Laurie Strode (imortalizada por Jamie Lee Curtis) de Halloween, tanto nos gritos quanto na dimensão do drama que vivem diante da subordinação ao medo.

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Há sequências interessantes de tensão: toda a cena de pouco mais de cinco minutos, onde os jovens atropelam e discutem sobre as ações que devem fazer para esconder o corpo, é um exemplo de direção de atuações de atores; a perseguição do assassino a Helen é icônica (em torno de seis minutos de projeção) — Sarah Michelle Gellar expõe a insegurança e o pânico, sendo caçada por uma câmera que a acompanha (com cortes rápidos, dando a ideia do nervosismo do momento da personagem) por vários planos de ação, em diferentes cenários: desde o take dentro do carro, quando a personagem visualiza o assassino e corre até uma loja de roupas, com manequins posicionados ao fundo (entre os quais o assassino se esconde), culminando na perseguição numa rua à meia-luz (com pessoas próximas que não a enxergam, nem ouvem seus gritos); ou mesmo a condução final, na qual Julie foge do assassino dentro do barco de pesca que mais parece um labirinto. A direção cria a sensação de claustrofobia ao conduzir o assassino em espaços pequenos, na aflição da protagonista que sempre protesta com inúmeros gritos à câmera colada à sua fronte.

Ademais, a fita cria a noção do estereótipo comum em filmes deste gênero: todos os quatro adolescentes “esquematizam” uma noção de estilo americano que são desconstruídos. Julie é a garota intelectual, madura, preocupada com a identidade que pode ser condenada por conta da dor de ter matado alguém por acidente; Helen, o arquétipo de garota fútil, viciada nas madeixas loiras, e que não quer perder a chance de ser uma atriz de sucesso; Ray, o bom moço que seguiu os passos do pai, aquele jovem que não tem o impulso de moldar sua vida com algo novo; e Barry, um americano rebelde, infantil, embrutecido pela falta de uma educação familiar e estrutura financeira que o tolheu para a sensibilidade de mundo. Ao injetar adrenalina no público, Kevin Williamson sabe incutir questionamentos, dilemas e perspectivas destes teenagers em representações reais.

Uma boa alternativa pra esse formato é como o roteiro parece dizer que temos adolescentes com personalidades e atitudes. Não soam mecânicos ou como marionetes de esquetes de terror teen. Com alguns “ganchos” previsíveis, claramente apostando em continuações (o segundo filme, por exemplo, Eu Ainda Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado, não obteve sucesso de público, nem de crítica), a fita envelheceu muito bem. Completou 20 anos e ainda permanece como suspense adolescente, característico de uma fase que se apostava em produções de terror juvenil com aura pop (a trilha sonora lançada também foi sucesso de vendas). Pode não ter revolucionado ou ser clássico do gênero, mas fica claro que temos um filme que deu fôlego a um formato que ainda tem fãs que admiram um exercício de horror, sendo teen ou não.

Nota: ★★★★✰

Ficha técnica

Eu Sei o que vocês fizeram no verão passadoEu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (I Know What You Did Last Summer)

Ano: 1997

Direção: Jim Gillespie

Roteiro: Kevin Williamson

Elenco: Jennifer Love Hewitt, Sarah Michelle Gellar, Ryan Phillippe, Freddie Prinze, Jr.

Fotografia: Denis Crossan

 

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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