Miss in Scene | Tomates Verdes Fritos

Tomates Verdes Fritos versus o mito de Hollywood

“Filmes centrados em personagens femininas não atraem o público”: quantas vezes já não ouvimos, ao longo dos anos, os estúdios de Hollywood darem essa desculpa (que não passa de um mito)? No entanto, refutando essa ideia, 1991 foi um belo ano para mulheres no cinema. Desde as amigas aventureiras Thelma & Louise, passando pela mamãe bad-ass Sarah Connor de O Exterminador do Futuro 2, até a inesquecível Clarice Starling de O Silêncio dos Inocentes (isso sem falar na fofa Vada Sultenfuss de Meu Primeiro Amor, e na mocinha cheia de personalidade e que ama livros de A Bela e A Fera), diversas produções levaram o cerne feminino às telonas. Talvez, porém, uma das obras mais femininas daquele ano seja Tomates Verdes Fritos.

É interessante ressaltar que, das seis produções citadas acima, quatro figuram entre as 10 maiores bilheterias de 1991 nos EUA, com Tomates Verdes Fritos logo em seguida, na 11ª colocação (e na 13ª, quando consideramos o box office mundial).

 

A “esposa ideal” versus a realidade

Evelyn Couch (Kathy Bates) é uma mulher americana como tantas outras: mãe, cônjuge e dona de casa. Mas, se tem uma coisa que ela quer mais que tudo é ser a esposa ideal para seu marido. Ela imagina que, consequentemente, isso poderia reacender a chama de seu casamento. Do outro lado do relacionamento, o acomodado Ed (Gailard Sartain), que só pensa em assistir esportes na TV.

Sequer é necessário muito tempo de fita para compreender que Ed, apesar de gostar da mulher, não a enxerga por completo. Ou, ao menos, não a enxerga como alguém que tem necessidades afetivas. Ele peca até mesmo quando deveria valorizar os gestos de Evelyn, seus sinais de carinho com ele próprio e de preocupação em reviver o romance do relacionamento. Evelyn o recebe na porta de casa com uma cerveja gelada em mãos e prepara jantares especiais a dois. Apesar de seus esforços, sempre vê Ed pegar seu prato e sua cerveja e ir direto para a poltrona da sala; zapeando entre os canais de TV em busca de transmissões esportivas.

O vazio deixado por essa falta de atenção e reconhecimento enquanto mulher, a dona de casa do Alabama preenche com comida, em especial, os doces. Nem mesmo os encontros e palestras dos quais ela participa em busca de novas ideias para fazer-se enxergar e ouvir pelo marido são suficientes. Evelyn coloca tanto sua validação enquanto pessoa na (falta de) consideração do esposo, que é incapaz de abraçar sua autoestima e feminilidade por ela mesma.

Quando conhece Ninny Threadgoode (uma das últimas personagens de Jessica Tandy), no lar de idosos Rose Hill, e ouve as histórias daquela senhora serelepe, Evelyn descobre um mundo que vai além de sua vida familiar. Uma nova realidade, ainda que do passado, com personagens femininas tão interessantes que serviriam facilmente de inspiração.

É só então que ela inicia, aos poucos, o processo de voltar seu olhar para si. As histórias que Ninny conta sobre a rebelde Idgie Threadgood (Mary Stuart Masterson) fazem com que aquela mulher perceba que sua força está em sua feminilidade e em suas ações enquanto ser humano, não em ser apenas uma esposa, supostamente, perfeita.

O filme de Jon Avnet, baseado no romance de Fannie Flagg, explora a necessidade de se tomar as rédeas da própria vida e saber que, tão importante quanto se dedicar aos outros, é saber se dedicar a si. Anos mais tarde, outro filme — As Vantagens de Ser Invisível, também baseado em um livro — tornaria célebre a frase: “nós aceitamos o amor que achamos que merecemos”. Ao constatar que, inicialmente, faltava amor próprio a Evelyn, temos algo para refletir.

 

A sororidade versus o mundo

Towanda: uma espécie de alcunha de justiceira com a qual Idgie se autonomeou. Acompanhamos a garota do interior do Alabama entre os anos de 1918 e 1938. Fica claro que, desde a infância, ela não está interessada em ser uma mocinha como as outras de sua época. Ela é desafiadora, tem espírito livre e se rebela diante de convenções. A sua forma de não ser convencional é se vestir com roupas masculinas e se envolver em atividades e hábitos mais comuns aos homens daquele período da história. Temos aí um paralelo entre uma mulher à frente do seu tempo (Idgie), e outra presa a padrões que já estão ultrapassados até para a época em que vive (Evelyn).

Idgie tem um laço muito forte com Ruth (Mary-Louise Parker), a “namoradinha de adolescência” de seu irmão, com quem ela estava no momento mais trágico de suas vidas. Além disso, ela nutre uma paixão por essa moça — o que foi, aparentemente, atenuado no filme. No decorrer da história, Ruth, do seu jeito, também se torna um exemplo de força. Presa em um casamento infeliz (com o violento e racista Frank Bennet, interpretado por Nick Searcy), ela, com a ajuda de Idgie, dá a volta por cima. Mesmo grávida, deixa a casa do marido na Georgia e se torna sócia da amiga no Whistle Stop Café.

A história de parceria e cumplicidade de Idgie e Ruth encanta o espectador e também Evelyn. É sempre inspirador tomar conhecimento de atos de sororidade e do poder individual de mulheres que não abaixam a cabeça diante de adversidades. Exemplos assim estão à nossa volta todos os dias. Todavia, Evelyn precisou que uma senhorinha de 82 anos entrasse em sua vida para entender que viver o seu máximo potencial só dependia dela.

A personagem de Kathy Bates chega a relatar estar se sentindo inútil e pensar ser “jovem demais para ser velha, e velha demais para ser jovem”. O conselho que ouve de volta é simples: “arrume um trabalho” — o que pode ser traduzido como “seja mais independente e olhe para você”.

Tomates Verdes Fritos é sobre encontrar seu poder interior, principalmente no caso das mulheres, tão cobradas a serem de um determinado jeito. É sobre quebrar padrões para tornar-se sua melhor versão. Quando Evelyn encontra uma “Towanda” em seu íntimo, sua vida muda. Porque “Towanda” é ser forte, livre, se amar do jeito que se é. É união, integração, motivação entre as mulheres. E seja com apoio direto ou com histórias que inspiram, não resta dúvida: a sororidade é realmente transformadora.

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Roseana Marinho

Roseana é publicitária e acha que os dias deveriam ter pelo menos 30h para trabalhar e ainda poder ver todos os filmes e séries que deseja. Não consegue parar de comprar livros ou largar o chocolate. Tem um lado meio nerd e outro meio bailarina.

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One thought on “Miss in Scene | Tomates Verdes Fritos

  • 12 de junho de 2018 at 08:21
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    Tomates Verdes Fritos é um filme que marcou minha adolescência. A sua narrativa do longa metragem me fez reviver praticamente todas as suas cenas e a emoção que eu senti com este filme.
    Parabéns, ótima e minuciosa descrição de um dos melhores filmes de todos os tempos

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