Persona | Penny Lane (Quase Famosos)

 

In my ears and in my eyes, (Está em meus olhos e ouvidos). Assim como na canção de Lennon e McCartney, Penny Lane é o tipo de personagem marcante que te leva de volta a lugares antes habitados na memória afetiva. A despretensiosa, a groupie de boas intenções, o arquétipo feminino presente nos sonhos de moleques apaixonados por rock, a musa de William Miller.

Era pra ter sido só isso, mas, de uma forma quase sobrenatural — pois nunca mais aconteceu novamente — Kate Hudson construiu uma personagem repleta de sutilezas, níveis e desníveis suaves de interpretação e entrega. Não é nenhum fenômeno, está longe disso, mas é memorável, e isso tem tanta beleza quanto a estante abarrotada de Oscars da Meryl Streep. Kate Hudson é a atriz de uma persona só.

Penny Lane é quase tão célebre quanto a banda que ela acompanha, o Stillwater. Reverenciada pelo clã de músicos, fãs e produtores do meio musical alternativo dos anos 1970, ela é a criadora de regras, bordões e um tipo de “lifestyle” para aqueles beberrões em busca da fama. Namorada secreta de Russel, guitarrista da Stillwater, ela parece senhora do próprio destino, mas esconde a menina frágil que vive num mundo fantasioso para suportar frustrações juvenis. Não é à toa que Penny cruza o caminho do honesto — e impiedoso — William Miller, o Baby Face mais maduro que toda a banda e groupies reunidas. Embora morem na mesma cidade, os dois vivem em mundos diferentes, mas a empatia é imediata. William constrói um amor platônico e Penny o vê como aprendiz. Eles olham para direções opostas, mas seguem o mesmo caminho.

Penny Lane

“Isn’t funny? The truth sounds different.” 

Longe da superproteção da mãe, William vê em Penny todo um espectro de sedução e liberdade, sensações que até ali lhe foram freadas. No limiar dos desejos da personagem, ela acaba usando o garoto como pretexto para seguir Russel em sua turnê musical e dar umas escapadas amorosas entre shows e quartos de hotéis. O prazer cresce ao passo que a banda ganha notoriedade. “Sexo, drogas e Rock n Roll” não era um clichê em 1973. Era uma cultura, e Penny Lane agrega uma certa doçura a esse universo.

É a materialização da Tiny Dancer, a costureira da banda, tema da canção de Elton John. A blue jean baby, de olhos bonitos e sorriso de pirata, que sabe todas as letras da banda que acompanha e murmura com devoção a melodia. “Não é aquilo que foi dito, mas o que fica de fora”, disse Russel ao aconselhar William, que pelejava para conseguir uma entrevista. O melhor de Penny, assim como aquele despretensioso “uh” na canção de Marvin Gaye, se esconde em sutilezas implícitas.

Penny Lane

Penny Lane

A personagem é dúbia. Quer viver os delírios das aventuras com os músicos, mas, paralelo a isso, deseja viajar para outro continente. Como num ano sabático, procura o isolamento para encontrar a pessoa por trás do mito que ela própria criou. Numa época de revoluções culturais e sexuais, a tarefa do autoconhecimento se tornava um fardo ainda maior, pois surgia um ambiente cada vez mais convidativo para quem andava perdido pelas estribeiras da adolescência. Imagine as dores e as delícias de ser uma Penny Lane em 1973?

“It’s all happening!” 

O mundo de Penny é uma fachada atraente, mas precisa ser desconstruído ao passo que a personagem amadurece e cai em si. Humilhada, reduzida a cinquenta dólares e uma caixa de cerveja — fato que rende uma das cenas mais bonitas do filme, um frame mágico de Kate Hudson — e atormentada pela visão de Russel com a namorada, o arco da frustração chega em seu ápice quando a jovem tenta uma overdose combinando álcool e um barbitúrico.

Ao som de Ma Cherrie Amour, Penny é socorrida pelo médico, enquanto o jovem William Miller vive um estado de excitação juvenil plena. Por algum motivo, o garoto parece romper algum tipo de ciclo, algo próximo da virgindade — mesmo que já tivesse sido deflorado pelas groupies ninfas — um breve momento que separou o menino do homem e, por consequência, Penny Lane da menina que era até então. Quando revela seu verdadeiro nome para o garoto, ela está abandonando a personagem que encarnou em suas aventuras adolescentes.

Penny Lane

“We are home”

Importante lembrar que a persona criada por Kate Hudson se sobressai naturalmente na narrativa. Tudo o que o filme tira de Penny, dá de volta em sua capacidade de contar sua própria história. É desconsiderada pela narrativa de Russell, mas reina suprema sobre ela própria. Isso revela a natureza da personagem e sua capacidade de se colocar dentro de uma narrativa que poderia ter a intenção de colocá-la num lugar comum entre os homens da história. Hudson conseguiu a merecida indicação ao Oscar de 2001, na categoria “Melhor Atriz Coadjuvante”, mas perdeu para a atriz Marcia Gay Harden.

Penny dança sozinha,  enquanto The Wind, de Cat Stevens, marca a coreografia espontânea. A bagunça de latas, copos e papel crepom, se transforma em sua festa particular. Essa é uma das cenas mais sublimes na obra de Cameron Crowe. Ali reside ainda mais a beleza da personagem. Durante boa parte do filme, Penny serve de consolo para os homens ao seu redor. Mas naquele momento não há ninguém para dizer quem ela é; a groupie, a “band-aid” ou a aposta em uma partida de poker. Só o que vemos na tela é a essência da personagem em sua totalidade. Penny Lane — e Kate Hudson — brilham em sua persona, de forma completa, plena e inesquecível.

 

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Elaine Timm

Elaine é gaúcha, formada em Jornalismo, atua como social media e curte freelas. Blogueira de várzea, arrisca escritas diversas. Cinéfila, amante dos livros, musical e nerd desde criança, quer ser Jedi, mas ainda é Padawan. Save Ferris.

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