Vingança | Análise

O cinema francês é peculiar e rico. Já não bastasse a Nouvelle Vague — Godard, Truffaut, Bresson e diretores contemporâneos como Ozon, Audiard, Honoré —, outro nicho existe dentro da Sétima Arte da França: O Cinema Extremo. Com nomes que vão desde Claire Denis com Desejo e Obsessão, até chegar no gênero do horror com Pascal Laugier, Alexandre Aja, Xavier Gens, Alexandre Bustillo e Julien Maury — é um tipo de cinema que incomoda, que choca o espectador através da profusão de sangue e dores que transpõem na tela. Esta pequena introdução serve para situar o badalado filme de ação e thriller de vingança, Vingança, em cartaz nos Estados Unidos com boa recepção de público e crítica, e que teve sua estreia no Festival de Toronto de 2017.

À primeira vista, o filme pode parecer comum, uma réplica de A Vingança de Jennifer. Porém, nos tempos de #MeToo e feminismo em alta, Vingança é um filme certo na hora certa. Uma simples história de uma mulher violentada por três homens e dada como morta, mas que sobrevive e busca vingança. Basicamente é isso. No entanto, um diretor faz toda a diferença na forma de se contar uma história e entra aqui Coralie Fargeat, diretora desse filme.

O primeiro diferencial do longa é o comando de uma mulher. Cansados de sempre vermos esse tipo de filme dirigido por homens, dessa vez foi diferente. Sob este viés, o espectador assiste a uma história de feminismo em forma de muito sangue e muita luta contra agressores machistas, brancos e ricos, como os retratados aqui.

A ambientação é desértica, com cânions, pouca água e uma mansão localizada lá. O proprietário Richard (Kevin Janssens) é casado, mas leva sua amante Jennifer (Matilda Anna Ingrid Lutz) às escondidas — obviamente, a fim de diversão e de uma caça anual que ele planeja com os amigos Stan (Vincent Colombe) e Dimitri (Guillaume Bouchède). Porém, tudo se torna desagradável quando Jen é objeto de desejo dos malfeitores amigos de Richard, iniciando a longa caçada humana.

O olhar clínico da diretora, auxiliada pela belíssima fotografia de Robrecht Heyvaert, gera enquadramentos “estilosos”; um colírio para os olhos do espectador, que enxerga beleza diante de uma história tão atroz e com sangue que vai encharcar as telas durante toda a projeção. Com apenas 4 personagens mais presentes, a diretora consegue prender a atenção até o final; e o desejo de vingança de Jen é construído de maneira desapressada, mesmo com seu ritmo ágil.

A homenagem ao filme de Meir Zarchi é visível até no nome da protagonista, encarnada por Matilda Lutz, exalando sensualidade e ferocidade ao mesmo tempo. Descoberta em O Chamado 3, a atriz tem tudo para construir uma carreira de sucesso, pois, além de bela, é expressiva e carismática. Coralie Fargeat transforma nossa heroína em uma Lara Croft: com técnicas de sobrevivência dignas de uma veterana — uma femme fatale que mostra suas curvas, inicialmente, mas que luta contra os agressores com violência primal ao ter sido abusada. Apesar de toda a “sujeira” do filme, Jen sempre mantém o seu estilo, com brincos rosas em formato de estrela que balançam diante do espetáculo de sanguinolência.

O que transforma Vingança em um filme acima da média é a sua execução, e isso o torna uma obra completamente “estilosa”. Sequências de alucinações com drogas, o gore altamente realista, planos-sequência como a cena final (construída de maneira magnífica pela diretora), levam elementos de prazer ao fã de um bom e velho exploitation, que não se preocupa em ser realista, lógico, mas apenas entreter.

As mulheres sempre têm que transformar tudo em uma droga de uma briga”, diz um dos agressores em determinado momento. Essa frase sintetiza todo o girl power e feminismo do filme. Mensagem sutil, mas que é simbólica. Toda dor sentida pelos vilões, cada bala que entra, o sangue que jorra, são causados por uma mulher que está em seu terreno e não deseja que seja invadido, mesmo com uma vestimenta que cause luxúria e desejo. O que poderia se tornar imagem gratuita, aos olhos da diretora Coralie Fargeat é uma mensagem de que “o corpo é meu e ninguém toca sem meu consentimento”. Um recado pintado em vermelho, aparentemente inofensivo, mas que causa impacto. Com isso, a diretora fincou seu nome no Cinema Extremo francês com esse debut em longa-metragem; sendo mais uma mulher a ter importância nessa arte que tanto grita por respeito aos direitos femininos. Mulheres competentes e cada vez mais presentes, felizmente, em gêneros como terror e ação.

Nota: ★★★★✰

Ficha Técnica:

Vingança

Vingança (Revenge)

Ano: 2017

Direção: Coralie Fargeat

Roteiro: Coralie Fargeat

Elenco: Matilda Anna Ingrid Lutz, Kevin Janssens, Vincent Colombe, Guilaume Bouchède

Fotografia: Robrecht Heyvaert

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Ibertson Medeiros

Graduado em Direito, sempre quis trabalhar de alguma forma com cinema, pois é uma paixão desde a infância. Cearense, fã dos anos 1970, curte o bom e velho Rock ‘n Roll e um cinema mais alternativo e underground, sem tirar os olhos das novidades cinematográficas.

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One thought on “Vingança | Análise

  • 19 de maio de 2018 at 10:07
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    Excelente crítica. Ainda não vi o filme, mas pretendo ver em breve.
    Na sociedade em que vivemos, serão sempre benvindos filmes que abordem essa e outras temáticas de empoderamento. Parabéns ao site. =O)

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