Horrorscópio | A Condessa

O senso da vaidade é exposto pela direção, roteiro e personificação de Julie Delpy. Um olhar sinistro na vida e desconstrução do mito da condessa húngara Erzsébet Báthory. Conhecida como “A condessa sangrenta” ou “condessa Drácula”, foi acusada de matar mais de 600 virgens. A lenda dizia que, em busca da juventude eterna, a condessa se banhava com o sangue das mulheres e acreditava que isso a tornaria imortal. Como uma espécie de vampira, atraia virgens ao seu castelo e lá promovia sessões de tortura; no intuito de dilacerar a carne de suas criadas, na sede incontrolável pelo sangue que a tornaria mais jovem.

A situação, obviamente, ganhou contornos ao longo do tempo, e muito do que foi dito pode gerar dúvida histórica. Contudo, a intenção de Delpy é dissertar sobre os limites da vaidade, através da mulher que teve fama proveniente de seu sadismo no âmbito da aristocracia.

A Condessa tem uma visão humanizada — e levemente sensual — em torno da figura deste mito. Contextualiza o período histórico da personagem e reforça sua trajetória pessoal. Ainda assim, um filme assustador pelo idealismo que propõe, embora sem peso na violência gráfica.

Julie Delpy, através da direção elegante, e que nunca beira ao grotesco do melodrama, traz uma percepção tangível e sem exageros. Interpreta a condessa como uma mulher frágil e ambienta a sofrida trajetória de sua vida sem opções de liberdade social.

A típica feminina daquele tempo que não vive dos próprios anseios e desejos, engravida ainda com 14 anos de um jovem camponês e depois é obrigada a casar-se com um marido que não escolhe (o conde Ferenc Nadsky, interpretado por Jack O. Berglund).

A representação da mulher daquele tempo, que se priva das escolhas e acaba subjugada pelo poderio do homem — e de uma sociedade, arbitrariamente, contra as opiniões feministas —, são temas pontuados.

Como compreender as atitudes sombrias desta figura feminina?

Após o falecimento do conde, o filme assume o lado mais passional da protagonista, ao inserir o envolvimento da condessa com o jovem Istvan Thurzo (Daniel Brühl), provocando o caos sangrento na sua trajetória.

A fita assume dois sensos de discussão: o que se refere à visão sádica dos crimes cometidos e a questão libidinal; os tais contornos dramáticos das ações intimistas da condessa. Delpy, como diretora, expõe o interesse sexual da condessa: vemos a relação homossexual com sua amiga, a bruxa Anna Darvulia (Anamaria Marinca), com quem nutre uma espécie de trocas e favores “místicos”, além de um suposto caso sexual que fica subentendido.

O roteiro promove a aproximação da condessa com o sensível e romântico Thurzo, uma relação fadada à tragédia. Impossibilitados de permanecerem juntos, o romance acaba de forma abrupta, arquitetado pelo tio do rapaz, Gyorgy (William Hurt); trazendo uma mudança psicológica no destino da protagonista.

Então, a fita potencializa a ânsia violenta do comportamento desta mulher, que se amargura por conta da velhice, na “sede pela juventude” que há de prescrever um conforto à sua frustração feminina. Beber do sangue a torna jovem para todo sempre?

O roteiro lida com esses aspectos de como ocorreram os primeiros crimes aos atos mais hediondos, quando a protagonista perde o controle, iniciando um derrame de sangue. Delpy tem o cuidado em não se permitir à caricatura; desconstrói a mulher altiva que se converte na insana e “faminta” por sangue. Um exemplo de psicopatia.

Há cenas que exibem a crueldade dos crimes cometidos, a ilusão da protagonista em crer que tal sangue virginal atenuaria as suas marcas do tempo, retardando a sua velhice, num retrato de plena morbidez humana. Mesmo com tensão, há uma direção fria e calculada, de acordo com a atuação sóbria da atriz.

Há mais provocações na narrativa: a relação da condessa com o sexy Dominic Vizakna (Sebastian Blomberg), um homem que exerce influência negativa e contribui para os crimes hediondos; o indivíduo que sente tesão ao ser afligido fisicamente pela condessa, toda noite, como exercício de sadomasoquismo.

Nesta “teia” de situações sanguinárias, sexualidade proeminente e na preocupação em estabelecer um tom mais humano à protagonista, o filme consegue desmistificar boa parte dessa figura histórica, sem nunca perder seu plot: a problemática psicológica sobre as centenas de virgens executadas pela condessa. Um material cinematográfico bem interessante.

Nota: ★★★★✰

Ficha Técnica: 

 

A Condessa (The Countess)

Ano: 2009

Direção: Julie Delpy

Elenco: Julie Delpy, Daniel Brühl, William Hurt, Anamaria Marinca

Roteiro: Julie Delpy

 

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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