Sci-Fi | Cargo

Em 2013, Ben Howling e Yolanda Ramke criaram Cargo. O curta-metragem conta a história de um pai em um ambiente pós-apocalíptico, tentando salvar a filha Rosie, depois de ser infectado e estar se transformando em um zumbi. O trabalho fez nítido sucesso e a Netflix resolveu produzir um longa-metragem com os mesmos diretores, o que resultou no filme homônimo, lançado na plataforma em 2018. A película desenvolve as situações do curta — em alguns momentos até as repete — e adiciona novos elementos. Apesar de não trazer nenhuma novidade ao subgênero de zumbis, a obra tem seus acertos.

Os diretores exploram a paisagem australiana, algo não visto no curta e também adicionam elementos da cultura local, através de costumes tribais e população aborígene, o que sutilmente gera um clima de misticismo ao filme. O título se refere a algum transporte que carrega suprimentos e é visto no início, onde Andy (Martin Freeman), a esposa Kay (Susie Porter) e a bebê Rosie se encontram, uma balsa que transporta os personagens e suprimentos. Aos poucos, descobrimos que ocorreu algum evento catastrófico, em que possivelmente uma epidemia se alastrou e transformou seres humanos em zumbis.

Não demora para que Kay seja infectada, assim como Andy, e o filme se torna uma jornada de sobrevivência pelo lindo e perigoso habitat australiano. Alguns personagens são adicionados posteriormente: como a garota Thoomi (Simone Landers), aborígene que tenta sobreviver ao caos instalado em sua tribo; o senhor sábio Daku (David Gulpilil) e o “selvagem” homem branco, Vic (Anthony Hayes).  

Os diretores mostram um domínio por trás das câmeras, em que priorizam uma Austrália longe das cidades, com rios, árvores, montanhas enfatizadas. Muitos planos aéreos e distantes dos personagens são as técnicas mais utilizadas por Howling e Ramke. O roteiro, escrito por Yolanda, ainda encontra espaço para adicionar críticas ao homem branco, que diante de oportunidades, não hesita em invadir uma terra “virgem” e impor seus costumes a outras culturas. Isso é visto na figura de Vic, um sobrevivente como qualquer outro, mas que deseja escravizar humanos de outra vivência — no caso, Daku e Thoomi em determinada cena em que são presos em gaiolas. Algumas passagens também explicitam esse intuito, quando um dos personagens fala que uma maldição caiu sobre o povo. A infecção do suposto vírus seria uma resposta da Natureza contra as ações do homem ao tentar destruí-la, de acordo com os aborígenes. Tratam a doença como espíritos malignos e os habitantes utilizam-se de sinais como forma de proteção.

O elenco está bem, com destaque para Martin Freeman, que interpreta um pai preocupado em salvar sua filha, antes que em 48 horas seja transformado em um zumbi. A garota Simone Landers também é um achado, iniciante australiana que nunca tinha atuado antes. David Gulpilil cria uma aura de mistério ao seu personagem, um sábio da tribo local.

O filme, apesar de ter zumbis, é mais centrado no drama. As “criaturas” expelem uma substância viscosa que se assemelha ao mel, nas feridas e na face, sinais característicos da infecção. Embora foque na sobrevivência dos personagens, nenhuma grande tensão é vista durante o filme, nenhuma que o caracterize como suspense ou horror. O perigo maior é o homem e não os infectados. Em um pós-apocalipse, seres urbanos tentam conhecer costumes do campo, indígenas e se apropriar de sua cultura a fim de sobreviver. A causa da infecção nunca é mencionada, mas o espectador pode perceber tais símbolos.

Embora os diretores tentem criar uma empatia para com os personagens, e um clima dramático de carga maior, o filme peca por não conseguir cativar o espectador. Não consegue funcionar tão bem como drama e nem como suspense. Fica no “meio do caminho” nesse aspecto, o que não gera nenhuma novidade àquele que espera por um atrativo maior nesse tipo de longa. Os vínculos entre os personagens não são muito bem desenvolvidos, o que resulta em pouca afeição aos sobreviventes.

É bonita a preocupação dos australianos com o seu povo. Em vários filmes de lá percebemos o cuidado com os aborígenes e a cultura, dialetos, a preservação do misterioso habitat, e os diretores são bem-sucedidos nessa jornada. Com toda a tecnologia e atitudes predatórias do homem da cidade, um vírus corrosivo não é o suficiente para destruir belezas naturais e o respeito a isso é sempre válido. Cargo não trata de zumbis devoradores de cérebros, correria e sustos, mas é uma reflexão importante sobre o papel do ser humano diante da natureza; que nós podemos nos adequar ao novo sem violência. Um pedido de desculpas pelo desrespeito às leis naturais por parte do homem industrializado.

Nota: ★★★✰✰

Ficha Técnica

 

Cargo

Ano: 2017

Direção: Ben Howling e Yolanda Ramke

Elenco: Martin Freeman, Anthony Rayes, Susie Porter, Caren Pistorius, Simone Landers, David Gulpilil

Roteiro: Yolanda Ramke

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Ibertson Medeiros

Graduado em Direito, sempre quis trabalhar de alguma forma com cinema, pois é uma paixão desde a infância. Cearense, fã dos anos 1970, curte o bom e velho Rock ‘n Roll e um cinema mais alternativo e underground, sem tirar os olhos das novidades cinematográficas.

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