Bang Bang | Era Uma Vez No Oeste

 

Em toda sua carreira, Sergio Leone nunca errou; isso é fato. Em sua trajetória perfeita, notamos uma evolução bastante clara e significativa ao comparar seu primeiro trabalho ao último. Em Era Uma Vez No Oeste, vemos que o diretor chegou ao seu ápice e dá uma verdadeira aula de como contar uma história. Logo na cena de abertura, o longa se abstém de diálogos e música. Durante quase toda a sequência, somos recepcionados com sons diegéticos, que criam uma tensão crescente, até introdução da música. Quando a mesma chega, entendemos o recado de que temos que nos preparar, pois aquela tensão só irá se expandir durante as mais de 2 horas e 40 minutos de filme.

É evidente que a genialidade do compositor Ennio Morricone afetou diretamente todo o longa, já que os planos iniciais de Leone eram de fazer toda a abertura do longa com a música bastante presente. Bom, no final das contas, ela só apareceu para selar a épica cena. Notamos a clara intenção de Morricone, de transformar toda a sonoridade do filme em parte dos personagens, ajudando na narrativa diretamente. Sons que já nos conduzem a certos acontecimentos fazem com que o diretor não precise utilizar diálogos expositivos, dando mais riqueza a todas as suas cenas.

Quando somos apresentados ao vilão Frank, vivido por Henry Fonda, há uma compilação de imagens que fazem o personagem crescer. São poucos segundos em que não vemos seu semblante diretamente, mas, a cada corte, mais receio temos de querer realmente olhar em seu rosto. Leone, de forma inteligente, posiciona a câmera atrás de Frank e a move até que o rosto de Fonda seja revelado e posicionado de modo que ocupe toda a parte direita da tela. Assim, toda a atenção está presa em sua expressão, que transmite medo e maldade.

Os detalhes durante a apresentação dos quatro personagens que vão levar a trama dizem muito sobre eles, nos preparando para tudo o que vem pela frente. Jill (Claudia Cardinale), perdida e confusa ao sair do trem, está diretamente ligada à curiosidade do Harmônica (Charles Bronson), que sabe o que tem que fazer, mas se mantém apreensivo por não encontrar o cenário que esperava. E quando Cheyenne (Jason Robards) aparece pela primeira vez, faz-se a ligação com Frank, impondo medo e tensão, com as algemas em punho o transformando quase em uma entidade na taberna.

A curiosidade do vilão para tentar descobrir quem Harmônica realmente é e a que veio é transmitida diretamente ao público, pois mesmo o acompanhando e vendo seus bons atos, o espectador fica apreensivo para uma possível reviravolta. Para isso funcionar bem, mais uma vez, a genialidade de Morricone é inserida, com o uso de uma música que une forte tambores e gaita (esta última tocada em vários momentos pelo próprio personagem) deixando bem evidente que aquilo é algo que deve ser notado.

Para um bom western funcionar, sempre é preciso uma fotografia que nos faça imergir na tela. O calor do Velho Oeste fica evidente nos primeiríssimos planos usados para destacar a expressão dos personagens. Planos-detalhe do suor escorrendo de seus rostos nos passam um desconforto, a sujeira nas mãos comprova que cada um está ali para cumprir sua “missão”, sem descanso algum. Tirando Jill, nenhum outro personagem é pego desprevenido; estão sempre atentos e com olhos arregalados, o que ajuda ainda mais na tensão que Leone martela desde o primeiro segundo de filme. É extraordinário como ele não perde a mão em um mísero frame sequer.

O contraste dos personagens fica totalmente explícito no último ato. Enquanto Frank se veste com trajes escuros, quase por completo de negro, Harmônica mantém as vestes claras. Um evidencia a preocupação e medo, enquanto o outro transborda de confiança. É como se os personagens trocassem de papéis, pois durante quase todo o longa, Frank é quem se mostra totalmente confiante.

Era Uma Vez No Oeste

Todo o trabalho do Leone leva a um embate final que, sem precisar de nenhuma palavra, responde todas as perguntas que ficaram no ar. O mito do homem sem nome retorna mais uma vez em um filme do diretor; mas, dessa vez, entendemos por completo suas motivações. No lugar de um homem branco, temos um pele vermelha que se eleva, enquanto o branco de olhos azuis, cai. De quebra, ainda nos é entregue uma cena cheia de significados, com Jill dando água para os trabalhadores que estão construindo uma nova cidade, mais moderna, que irá ficar no lugar daquele onde só se juntava areia e morte. É, claramente, uma analogia do próprio western dentro do cinema. Obra-prima!

Nota: ★★★★★

 

Ficha Técnica

Direção: Sergio Leone

Roteiro: Sergio Donati, Sergio Leone

Elenco: Claudia Cardinale, Henry Fonda, Jason Robards, Charles Bronson, Gabriele Ferzetti, Paolo Stoppa, Woody Strode, Jack Elam, Frank Wolff

Fotografia: Tonino Delli Colli

Trilha Sonora: Ennio Morricone

Montagem: Nino Baragli

Direção de Arte: Carlo Simi

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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