Fotogramas | Romeu + Julieta

 

Romeu + Julieta, lançado em 1996, propôs um verniz contemporâneo ao clássico de William Shakespeare. A direção frenética de Baz Luhrmann, quase como um videoclipe da MTV, colocou a trágica história de amor dentro de uma ensolarada e fictícia Verona Beach.

O texto original foi preservado na releitura, mas algumas situações foram inovadoras, como o momento em que os amantes (Leonardo DiCaprio e Claire Danes) se conhecem pela primeira vez.

O lúdico efeito para um encontro de amor platônico

A sequência inicia-se quando Romeu desperta dos efeitos alucinógenos, na festa dentro da casa dos Capuleto. O contra-plongée exibe a face conturbada de DiCaprio, imersa na água de uma pia, quase como um banho que recebeu para curar o porre, minutos antes. Luhrmann posiciona a sua câmera baixa, situando o desequilíbrio momentâneo do protagonista, um objeto filmado acima do espectador.

Romeu levanta-se e, do espelho à sua frente, observa algo que o atrai.

Ele vira-se e a câmera o segue. Ao fundo da cena, é possível perceber a canção entoar seus primeiros acordes, “Kissing You“. Romeu se depara com um grande aquário, enquanto a câmera posiciona-se logo às suas costas. O enquadramento mostra o objeto cênico à frente do personagem, como um elemento de imponência e deslumbre aos seus olhos (e ao do espectador também).

Ao firmar a atmosfera de poesia visual, Luhrmann intercala sua ação dando enfoque à cantora que conduz a tal música de fundo da cena, enquanto a câmera exibe, em outro ambiente, Des’ree entoar os versos: But watching stars without you, my soul cried.

A ação volta-se para Romeu, já próximo ao aquário, em estado de contemplação. Interessante a ótica proposta aqui: em um close que permite que apenas parte do rosto de DiCaprio permaneça à mostra; a cena acompanha a curiosidade do seu personagem.

Romeu vasculha os peixes do aquário, como se atento aos seus movimentos e beleza marítima, quando seus olhos seguem a um ponto específico, uma espécie de caverna. É quando enxerga, do extremo oposto, outro olho.

Uma mulher.

Romeu enxerga Julieta

Os efeitos que a direção cria em cima da ação da sequência são bem interessantes. Primeiro, é a forma como captamos os tons azulados da água, dos peixes, dos objetos que compõem os frames; uma analogia à cor blue, a melancolia na ideia simbólica da palavra em inglês, uma analogia ao espetáculo trágico do amor proibido? Segundo, a fotografia que se aproveita dos tons fotográficos azulados do aquário com os olhos azuis de Leonardo DiCaprio, um efeito que confere à narrativa uma perfeita concepção visual.

A ação continua, enquanto a música parece ganhar maior força ao fundo, exibindo closes da face de DiCaprio que se intercalam com enquadramentos que expõem a noção de surpresa dos dois personagens: de um lado, Romeu exibe a expressão de interesse na jovem que visualiza do outro extremo do aquário; já Julieta parece tímida e desconcertada, ainda que interessada no rapaz que a encara ininterruptamente.

O enquadramento concebe a “plasticidade poética”, porque Luhrmann aproveita-se da moldura que o aquário concebe às duas faces frente à frente. Tanto o rosto de Romeu quanto o de Julieta permanecem embaçados e envoltos dos peixes que se movimentam e pairam à sua frente. Os rostos parecem projetados, como se dentro da água, em um encontro de amor. Uma atmosfera criada por eles próprios, algo quase onírico.

DiCaprio interpreta com a força do olhar. Transmite a ideia de homem que se apaixona e permanece hipnotizado por algo que confronta à sua frente. E Danes transmite a delicadeza de uma mulher que descobre o amor diante dos olhos.

Vemos na cena o interesse dos dois, o desejo que se forma, sob a moldura de um aquário. Quando Romeu parece flertar, aproximando-se do reservatório e tenta beijar a moça que o fascina do outro lado, esbarra o rosto no vidro; a câmera se move, rapidamente, de uma ponta a outra, garantindo a perspectiva física de Julieta.

Até então, a cena foi conduzida de acordo com a ótica do masculino. Assim, a direção exibe a percepção da jovem que também está em processo platônico diante do cortejo, do flerte, da sedução que se forma.

A câmera pousa do outro lado do aquário, exibindo um sorriso de Danes que demonstra contentamento ao perceber-se cortejada por esse rapaz. Vemos, agora, a perspectiva de Julieta, que enxerga o rapaz do outro lado do aquário, projetado pelo vidro, como se inclinado para beijá-la.

Romeu + Julieta

O take final mostra três imagens justapostas: o rosto dele, o reflexo de Julieta e de seu próprio rosto, como um sonho de amor que parece nascer para respirar além do tempo. Do aquário para o mundo.

Visualmente, temos uma ação que consegue exercer a ideia de emoção e definição de sentimento vivenciado pelos personagens em menos de cinco minutos. Um exercício cinematográfico que expõe a sensação de enxergar o amor diante nossos olhos.

 

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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