Persona | Llewyn Davis (Balada de um Homem Comum)

 

Músico da cena folk nova-iorquina no início dos anos 60, transeunte de sofá em sofá, Llewyn Davis, vivido magistralmente por Oscar Isaac, deseja apenas lançar seu primeiro disco solo. Mas vai encontrar no caminho uma série de desventuras, que poderiam até ser chamadas de lições caso ele aprendesse com elas.

“Oh, pobre garoto”, canta o homem sob a luz esmaecida dos holofotes do mesmo bar de sempre, na cena de abertura de Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum. Nesse momento, o espectador ainda não conhece Llewyn como virá a conhecer pelas próximas horas, mas já é possível ter um gostinho da paixão e da verdade que ele coloca em sua música. É só nela que consegue expor suas fragilidades. Afinal, seu orgulho é grande demais para que ele permita que alguém tenha piedade. E isso diz muito sobre Llewyn e sua dificuldade em obter algo concreto na vida.

Apanhando aqui e ali, figurativa ou literalmente, ele vê o seu entorno se acumular de pequenos fracassos, mas nunca dá o braço a torcer. Consegue responder qualquer pessoa com a mesma frieza ou desdém com que foi lhe dito algum desaforo. Não se comporta como vítima, ainda que estejamos a postos para nos desesperar diante da situação lamentável daquele “homem comum”.

Homem

Tudo parece ter desmoronado depois que seu parceiro na música se jogou da ponte George Washington. Sem um teto, um tostão no bolso, ou um casaco para sobreviver ao inverno de Nova York, Llewyn depende da boa vontade de conhecidos; seja para acolhê-lo ou para adiantar os royalties a que tem direito. No entanto, a sensação que paira é de que absolutamente todo mundo o despreza, e só mesmo a música folk lhe permite sentir-se à vontade.

Mas verdade seja dita, Llewyn não coopera. Quando tem a rara oportunidade de receber um sorriso, palavras gentis ou um ronronar amistoso — no caso do gato que fica sob sua responsabilidade —, ele reage de maneira hostil. Basta observar as diferenças das suas relações. Por exemplo, tanto com sua irmã (Jeanine Serralles) quanto com sua amante Jean (Carey Mulligan), ele precisa lidar com sermões, gritos e humilhações; quando voluntariamente se debruça sobre o violão e entoa suas canções, seja para os companheiros de carona, para um empresário com o poder de alavancar sua carreira, ou para o seu pai moribundo, ninguém reage com nada mais que indiferença às palavras nunca antes tão sinceras de Llewyn; enquanto que com um simpático casal de amigos que não só o acolhe, mas o convida para jantar, ele é completamente indelicado a partir do momento que lhe pedem para tocar uma música. Até mesmo a figura do gato que parece ser a única a quem o homem começa a demonstrar alguma afeição, é logo deixada para trás, assim que se torna um empecilho na jornada melancólica e cheia de desapego de Llewyn. Qualquer vislumbre de conexão é logo descartado.

E essa não é a história de alguém que sonha alto mas não tem o talento necessário. Pelo contrário, Llewyn é bom no que faz, mas o que o atrapalha é a maneira como vive, sem se importar com absolutamente nada ao seu redor. E também sua visão sobre o ofício de um músico, tão fechada que lhe convencer do contrário é impossível. Llewyn parece nunca entender que fazer concessões faz parte quando se quer chegar a algum lugar. Valoriza sua liberdade enquanto artista, se considera um profissional sério, e jamais projetaria para si uma “carreira quadrada”, como é possível ver num dos diálogos com Jean ou até mesmo quando participa da gravação da música Please Mr. Kennedy, a convite de Jim (Justin Timberlake). 

Ao fechar seu arco de forma surpreendente, levemente divertido, mas não menos tocante, Inside Llewyn Davis: Balada de Um Homem Comum reflete sobre a vida desse artista que anda, mas não consegue ir muito longe, voltando sempre para o mesmo ponto. É irônico e quase cruel como nos minutos finais do longa, quando caminha em direção ao soco que lhe aguarda fora daquele mesmo bar do ínicio, Llewyn observa um jovem Bob Dylan — que em breve popularizaria a música folk mundialmente, se apresentando no palco onde minutos antes ele estivera.  

E é claro que a dualidade deste protagonista só poderia ter vindo das mentes de Joel e Ethan Coen, que aqui traçam um intenso estudo de personagem: um homem autossabotador, cujas virtudes se escondem atrás de uma maré de imperfeições.

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Evandro Lira

Evandro gosta tanto de filmes que escolheu a opção Cinema e Audiovisual no vestibular, e hoje cursa na UFPE. Em constante contato com a cultura pop, se divide entre as salas de cinema, as aulas sobre Eiseinsten, xingar muito no Twitter e a colaborar com o Clube da Poltrona.

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