Fotogramas | Ben-Hur (1959)
A década de 1950 até a metade o começo da de 1960 foi o período em que Hollywood mais produziu épicos bíblicos, dramáticos e românticos. A tentativa de afirmar qual é o melhor ou mais importante é, para muitos, impossível; entretanto, é plausível concordar com aqueles que afirmam que Ben-Hur (1959) merece estar no topo entre todos esses clássicos. O filme entra nas páginas da história não só por ser detentor de várias qualidades, mas também por ser o primeiro a conseguir a proeza de vencer 11 Oscars — incluindo melhor filme, diretor, ator e ator coadjuvante. Contudo, o que realmente faz a obra permanecer na memória da maior parte da população é a cena vigorosa envolvendo uma corrida de bigas, custando um valor aproximado de 1 milhão de dólares (valor estratosférico para a época) para ser filmada em 94 dias.
Após perder sua liberdade ao ser erroneamente condenado por homicídio (ficando quase 4 anos trabalhando nas galés na posição de escravo), voltar com o status de herdeiro e achar que sua mãe e irmã estão mortas, o protagonista (vivido pelo lendário Charlton Heston) quer se vingar a todo custo de seu antigo amigo romano Messala (Stephen Boyd), já que o mesmo possuía o poder de evitar toda a desgraça ocorrida em sua vida, mas, devido a divergências ideológicas, foi omisso com o inerente dever de ser justo.
É bom ressaltar que todo o segmento analisado não foi dirigido por William Wyler, e sim por três diretores da segunda unidade, destacando-se Andrew Marton por vencer um prêmio especial no Globo de Ouro pelo feito.
Apesar do ódio que cega completamente Judah Ben-Hur, ele (antes da icônica corrida) traja uma fina peça de cor azul para representar sua benevolência e gentileza; em contrapartida, o antagonista utiliza vestimentas negras para representar sua crueldade adquirida pela civilização romana. E é incrível que o abismo entre os dois é visualizado também em seus cavalos: enquanto o príncipe de Hur comanda 4 cavalos brancos (assim, se diferenciam de todos os outros), o comandante de Roma controla 4 extraordinários e imponentes cavalos pretos que, porém, se observados através de planos abertos (o que ocorre diversas vezes), são facilmente confundidos com outros animais que possuem uma tonalidade escura semelhante.
A construção visual da obra permanece de forma eficiente e coerente no que tange às carruagens por meio do embate entre o branco e dourado do personagem principal e o vermelho e dourado de Messala. Se o vermelho representa claramente a violência (e o vilão é coberto pela referida cor no final da corrida), o dourado se torna o elemento-chave para representar a nobreza do herói, uma vez que (minutos antes da competição se iniciar) retira o acessório azulado para evidenciar o orgulho que tem da terra e de ser judeu. Com isso, a estrela de Davi pendurada no pescoço é exposta como alegoria para representar todo esse respeito e amor.
Sua humildade é tão grande que todos os competidores continuam usando uma espécie de acessório gracioso para proteger a cabeça; portanto, é significante notarmos que o protagonista também o retira logo após adentrar na arena (construída pela MGM em Roma), despindo-se de todos os elementos que o tornam em algo que não é. Dessa forma, conclui-se o arco sobre os extremos das personalidades que tentam a todo custo ganhar a competição.
O espetáculo é fortalecido por uma câmera contemplativa que não tem receio algum de mostrar todos os cantos do imenso cenário. De forma frequente, utiliza a perspectiva subjetiva para pôr o espectador dentro do grandioso evento, como também insere planos-detalhes para situar todos os acontecimentos, seja sobre as voltas que faltam, os participantes ultrapassados/derrotados ou as estratégias adotadas pelos mesmos. Além disso, o filme conta com uma montagem ágil (beirando o frenético, de dar inveja a muitos exemplares do gênero de ação) que imprime um ritmo intensamente insano para gerar a sensação de apreensão.
O poder imagético da cena em si ganha um realismo ao usar dublês quase imperceptíveis e um trabalho de efeitos visuais impecável que, mesmo após quase 60 anos de seu lançamento, envelheceu pouquíssimo para o olhar cinematográfico do século 21 — e é de uma imensa ironia que o remake de 2016, com toda a tecnologia disponível, transforma a mesma cena em algo totalmente artificial, plástico e sem qualquer vestígio de tensão e emoção.
Sou fascinada por essa grande corrida, apenas um reparo: os veículos são quadrigas por serem puxados por quatro cavalos, sendo os de Judá da cor do luar e os de Messla negros como petróleos