Persona | Mavis Gary (Jovens Adultos)

O que nos torna adultos? Dormir até tarde no sofá ou em um quarto bagunçado, com a televisão no volume alto, sob lençóis surrados? A despreocupação com a organização do espaço que se encontra reflete a instabilidade emocional da protagonista.

Mavis Gary (Charlize Theron) é alguém de carne e osso; facilmente encontraríamos na vizinhança ou mesmo representaria algum parente próximo. E tal situação é exposta através do roteiro de Diablo Cody e da direção inteligente de Jason Reitman.

Eu tenho dificuldade em ser feliz!

No apartamento solitário, Mavis não consegue ter inspiração para escrever um novo romance. Salva inúmeros arquivos de livros incompletos no Word enquanto bebe Coca-Cola diretamente da garrafa para curar suas ressacas. Ou usa de sua impaciência quando cospe no cartucho da impressora para desentupi-lo e tentar imprimir algo.

Escritora de ficção de uma série de livros para adolescentes cuja febre já passou, intitulada “Jovens Adultos”, ela foge da apatia existencial em encontros furtivos e sexo com desconhecidos. Entretanto, não consegue se conectar afetivamente.

Enquanto enrola para digitar mais uma linha do livro, Mavis vê no seu e-mail uma mensagem de seu antigo namorado de colégio, Buddy Slade (Patrick Wilson). Ele acabou de ganhar um bebê e a convida para o batismo da menina. Um convite genérico, mas que serve como um gatilho para ela, uma espécie de aviso sentimental.

Decidida, atira meia dúzia de roupas na mala e põe o pé na estrada. Em companhia de seu cão Dolce, parte para Minnesota em busca de reencontrar seu antigo amor. No carro, ouve a fita K7 dos tempos em que ela namorava Buddy entoar os seguintes versos em uma música do Teenage Fanclub:I didn’t want to hurt you, yeah!”. Seria a representação de um pedido de desculpas por algo que fez?

Meu armário era perto do seu no colegial.

Não era você o cara do crime?”, pergunta Mavis ao velho amigo que esbarra quando chega à cidadezinha. Matt Freehauf (Patton Oswalt) é outro fracassado, que se acidentou anos atrás, vítima de um ataque homofóbico que o deixou com sequelas. Mantém-se debilitado fisicamente e isolado de uma comunidade que o tolhe de todas as formas (é visto como gay pela maioria, mesmo sem ser).

Ambos relembram a época da adolescência em que Mavis ganhou o prêmio de “Melhor Cabelo”, na fase em que ela era rainha do baile da cidade, enquanto Buddy era o quaterback do time da escola.

Isso é um tapa na face. Você não acha?

Mavis quer lutar, reconquistar seu ex é seu desafio pessoal, ainda que ele tenha constituído uma família. Na crença de reviver o passado, ela segue disposta. Sim, a carência dói. A solidão mais ainda.

O irônico é que é bonita, tem um corpo esguio, uma Barbie que atingiu seus 37 anos, mas sem perder o charme. Só que seu semblante é triste. Os olhos exibem uma melancolia incondicional. E, através de breves planos-detalhes que a enquadram, vemos suas mãos que puxam pequenos fios brancos que saem de seus cabelos, como uma ofensa à sua beleza que parece fragilizada pelo suposto envelhecimento.

Pensei em beber os nossos velhos tempos”.

O encontro com Buddy é alegre, a velha camaradagem parece ainda coexistir, enquanto Mavis exibe seu instinto de sedução. Como conquistar esse homem que foi tão especial em sua juventude? É possível continuar de onde parou?

Você fala como um dos seus personagens loucos”, ela ouve dele. A afirmativa parece desnortear a aparente harmonia inicial, mas funciona como um mantra. Mavis tenta prejudicar o senso de responsabilidade de Buddy, na possibilidade de possuí-lo. Só que ninguém possui ninguém. E a noção de pertencer pelo afeto mais parece uma obsessão.

Eis uma mulher que não cresceu. Não à toa, a referência ao título do filme é simbólica: a juventude dentro do adulto, que não formou seu emocional, permanecendo frágil e insegura, como crianças em fase de aprendizado.

É triste ver Mavis interagir com espelhos. Como se procurasse no seu reflexo a noção da beleza que se perde no processo do envelhecimento; ou em busca de um sorriso que tem dificuldade de exibir. A imagem refletida é de uma mulher insatisfeita e que não venceu na vida.

Para melhorar, algumas pessoas precisam se machucar.

O lado instável de Mavis e sua angústia existencial são aspectos bem delineados por uma Charlize Theron totalmente dedicada à personagem. A atriz confere uma atuação sem cacoetes, naturalista e compreende a complexidade desse ser em busca de afago por conta de sua carência afetiva. O olhar marejado, o tom de voz e o simples gesticular exibem as perspectivas de uma persona fadada ao fracasso.

Jason Reitman exibe a sucessão de rompantes temperamentais que ela verbaliza para os personagens em uma forte sequência: no aniversário da esposa de Buddy (Elizabeth Reaser). Mavis confronta o próprio calvário e se desmonta psico e fisicamente, o estopim para uma encruzilhada amarga. A cena exibe xingamentos e desabafos de Mavis contra todos.

O momento é pontuado com diálogos que mostram o quanto será difícil para essa figura obter a felicidade que tanto quer. As pessoas enxergam a sua impotência de socialização, sentem pena da pessoa que ela se tornou; nem mesmo Buddy tem o intuito de largar sua família para estar ao seu lado.

Ele me conheceu quando eu estava no meu auge”, ela diz. Então, o público enxerga (com pena ou reflexão) que essa personagem amargurada tem muito o que aprender. E esse sentido está além do filme, pois o final é aberto. Assim, vemos que, para Mavis, aquela cidadezinha do interior não é capaz de fornecer o ideal de felicidade que ela tanto queria. Então, recolhe seus objetos, seu cão, e parte rumo ao desconhecido…

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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One thought on “Persona | Mavis Gary (Jovens Adultos)

  • 29 de junho de 2018 at 15:54
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    Belíssima análise, Cris. O filme é maravilhoso. Uma boa retomada de Diablo e Reitman – uma parceria que provou funcionar. Mas, é uma personagem que não me faz ter simpatia e tudo isso graças a atuação brilhante de uma atriz formidável e camaleoa como Charlize. Que mulher incrível, sério! Ela é capaz de absorver diferentes personas como uma esponja. Já vi ela interpretando tudo! O problema é mesmo a Mavis e vamos ser francos, há um eufemismo porque diante de pessoas assim a sensação é “pé no saco” pra não dizer algo pior. E tenho exemplos assim em minha família… rs o mais triste nessa infelicidade, e creio que o filme deixa isso no ar, é o abismo para uma depressão. Uma doença que merecia ser mais discutida e compreendida.Grande filme. Merecia ter tido mais atenção na época de seu lançamento. Ao menos uma indicação de Melhor Atriz no Oscar. Diablo é uma roteirista fantástica. Tão boa como grandes nomes como Mamet e Tarantino.

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