Apimentário | Instinto Selvagem

 

Poucos filmes exerceram um fascínio libidinal como Instinto Selvagem. A fita fez bastante sucesso em seu lançamento, pois colocou Sharon Stone como um símbolo fetichista em thriller com ares de noir moderno. Dirigido por Paul Verhoeven, com roteiro de Joe Eszterhas (criador de outros gêneros de cunho sexual, como Invasão de Privacidade, Showgirls e Jade), o filme é um policial disfarçado de soft-porn.

A cena inicial exibe um ato sexual que se converte em um crime sanguinário. Durante a investigação do assassinato de um astro de rock, o detetive de polícia de São Francisco encarregado do caso, Nick Curran (Michael Douglas), tenta desvendar o mistério criminal. No intuito em obter informações mais apuradas sobre o caso, ele encontra a principal suspeita: Catherine Tramell (Sharon Stone), uma psicóloga bissexual e também escritora de livros, além de amante do cantor morto.

Ironicamente, o crime é idêntico ao que ela descreve em um de seus livros. Não é preciso muito para deduzir a trama estabelecida: Nick é atraído pela sensualidade de Catherine. Enquanto as investigações avançam, ele se envolve num jogo de manipulação e desejos que não consegue conter. É o estopim de um cenário psicológico que exibe facetas sexuais, num esquema de relação sádica e perversa.

O erotismo formata muito do argumento do filme. O roteiro centraliza o mistério criminal, com um suspense gradual de pequenas reviravoltas, só que o erotismo acaba por prevalecer em todo o formato cênico. O aspecto lascivo de Catherine é um caráter que a narrativa adota — é a típica fêmea que atrai todos os olhares, sendo de homens ou mulheres, dominando a todos com sua personalidade. A figura imponente e a voz de Stone ajudam nesse aspecto de caracterização.

A personagem impõe a sua sexualidade, que é demonstrada em diálogos provocativos; pelo comportamento sedutor ao flertar com os policiais que potencializam ainda mais sua dúbia personalidade; ou pelas atitudes maliciosas que transmite em cena. Tão sedutora, passa a ser parte fundamental na resolução do mistério do enredo. Será que ela esconde segredos obscuros? Seria uma psicopata que mata pessoas após trepar? São perguntas possíveis do público.

O que ela não oculta é seu poder de manipular os homens através da dominação — situação exposta na famosa sequência em que ela depõe aos policiais, descruza as pernas e revela estar sem calcinha, num poder visceral de sedução. A personagem brinca, abusa e flerta para se esquivar do interrogatório, desconcertando os homens em cena. O take tornou-se icônico, sendo o ápice do erotismo feminino do cinema da década de 1990.

A libido masculina também é expressa no aspecto viril de Nick, pois ele não consegue permanecer sem transar diariamente. Mantém um caso com a psicóloga Beth Garner (Jeanne Triplehorne), que tem prazer em ser sodomizada por ele em transas agressivas. A relação não aparenta ter amarras afetivas, só sexo casual, sem arrependimentos.

Paul Verhoeven conduz sua direção quase como um soft-porn, com cenas sensuais embaladas pela trilha sonora de Jerry Goldsmith, com melodias que criam uma ideia de suspense e erotismo ao público. Nesta esfera de desejo que caracteriza a fita, há espaço para subtramas sobre alcoolismo, cicatrizes humanas e lesbianismo — Catherine envolve-se com mulheres que nutrem obsessão sexual e dependência afetiva, como a sua amante Roxy (Leilani Sarelle), que sente ciúme por conta do envolvimento dela com Nick.

O grande acerto da fita vem da interpretação de Sharon Stone. Eis uma femme fatale como as grandes personagens do cinema noir faziam. A atriz mantém uma atuação firme durante toda a projeção. Sua Catherine não deixa de representar o “sonho masculino”: a mulher que não é puritana, propensa ao sexo casual e ao flerte fácil. O comportamento dúbio que ela cria durante as cenas torna a interpretação ainda mais complexa. Nunca sabemos ao certo o que essa personagem quer, o tom malicioso é constante.

sexual

A química com Michael Douglas é interessante, ainda mais quando os personagens são cuidadosamente fotografados por Jan de Bont (antes de se enveredar pelos caminhos da direção), com paletas e tons avermelhados em jogos de sombra e luz que acentuam a atmosfera íntima do casal. As cenas de sexo são, de fato, bem coreografadas e impressionam um público menos permissivo à ousadia da encenação.

Instinto Selvagem desenvolve um estudo sobre distúrbios psicológicos, da condição da sociopatia e dos vícios carnais que questionam a moralidade humana. Às vezes, a ânsia sexual torna-se a própria condição de fragilidade na vida. “Não contarei meu segredo só porque tive um orgasmo”; a frase dita em dado momento simboliza toda a intenção deste provocador trabalho de suspense e sedução.

Nota: ★★★★✰

 

Ficha técnica

Nome Original: Basic Instinct

Ano: 1992

Direção: Paul Verhoeven

Roteiro: Joe Eszterhas

Elenco: Michael Douglas, Sharon Stone, Jeanne Tripplehorn, George Dzundza

Trilha Sonora: Jerry Goldsmith

Fotografia: Jan de Bont

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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