Sci-Fi | E.T. – O Extraterrestre
Belo Horizonte, 1991. Eu me sento com a minha mãe para ver E.T. – O Extraterrestre pela primeira vez. Do alto dos meus quatro anos, preciso de um pouco de aconchego materno para não ter tanto medo daquele ser de dedos longos, corpo atarracado e olhos gigantes. Ah, aqueles olhos gigantes do E.T.! É através deles que vemos que, apesar de ser um filme essencialmente de ficção-científica, as emoções provocadas dentro e fora da narrativa são cem por cento humanas. É provável que a minha pouca idade não tenha me permitido entender isso na época, ou compreender que aquela criaturinha era quase uma criança indefesa deixada para trás por acidente. Hoje, o seu primeiro grito ao se perceber sozinho naquela terra estranha já me enche de angústia. São gritos de pavor poderosos.
O medo e a insegurança em se sentir só não são os únicos traços de humanidade que permeiam o longa de Steven Spielberg. Tampouco são emoções exclusivas do ser que veio do espaço. O garoto Elliott (Henry Thomas) ainda se ressente da separação dos pais; fica ali, como o irmão do meio, talvez um pouco carente de atenção da mãe, além de buscar constantemente uma chance de se enturmar com o mano mais velho, Michael (Robert MacNaughton), e seus amigos.
Quando E.T. aparece em sua vida, surge também a chance de ter um amigo de verdade. Alguém a quem se dedicar, e que também cuida de Elliott. É aqui que está o grande apelo do filme: amizade. O preenchimento de um vazio. Ou, ainda melhor: não estar sozinho. Não seria exatamente esse o sentimento de quando pensamos que podemos não ser os únicos habitantes dessa galáxia — e de outras?
Se o roteiro de Melissa Mathison é carregado de sentimentalismo (no melhor sentido), Spielberg sabe aproveitar essa qualidade na direção; filmou as cenas em ordem cronológica, arrancando das crianças reações espontâneas e reais.
Outro mérito do diretor está na forma como as instituições do governo, que investigam as atividades extraterrestres na vizinhança, são inseridas na narrativa. Até o início do último ato, são apenas silhuetas sem rosto, sempre filmadas à contraluz; ou se resumem a pedaços de corpo ou vestimenta, como é o caso do personagem de Peter Coyote, que acabou sendo batizado de “keys” (chaves). Seu nome jamais é pronunciado e a única forma de se referir a ele é realmente lembrando o molho de chaves que tilinta insistentemente, preso ao cós de sua calça.
É fácil compreender por que o filme é tão atemporal. Elliott, o menino deslocado, e o extraterrestre recém-abandonado na Terra criam um vínculo instantâneo. Tornam-se praticamente um só em sua condição de sentir. Para o garoto, E.T. não é apenas uma criatura que lhe provoca fascínio ao ser capaz de manipular objetos sem tocá-los ou de curar feridas. Também não se trata de um pet. Elliott o reconhece quase como um igual, como uma outra criança que talvez esteja tão perdida e com medo quanto ele.
A amizade entre os dois representa o potencial humano de se relacionar com o que é diferente aos olhos, mas que, internamente, pode ser bem mais parecido do que se imagina. É uma forma de mexer com nossa esperança e com nossa capacidade de acreditar. Na cena em que a mãe das crianças, Mary (Dee Wallace), lê a história de Peter Pan para sua caçula Gertie (Drew Barrymore, fofíssima), o famoso diálogo: “Você acredita em fadas?”, “Eu acredito, eu acredito, eu acredito”. É exatamente alguns segundos antes de sua mãe ler essas palavras que Elliott corta o dedo e E.T., como num toque mágico, faz a ferida desaparecer.
Os dois, então, ouvem o resto da história, escondidos no armário que separa os quartos, em um dos momentos de cumplicidade mais lindos do cinema. É notável como ambos compartilham da mesma dor causada pela saudade – o menino, do pai; E.T., de seus semelhantes que tiveram que deixá-lo para trás.
É claro que nem esse momento, ou sequer os icônicos voos de bicicletas, causariam tanta comoção sem a trilha magistral de John Williams. É ela quem pontua o tom da emoção de cada cena, tendo seu ápice na noite de Halloween, quando Elliott leva o amigo para floresta na cesta de sua bike. O extraterrestre resolve dar uma “ajudinha” para que consigam atravessar o terreno irregular e somos, finalmente, brindados com os acordes que entrariam para a história. Uma trilha sonora tão emocional quanto o filme e, até hoje, facilmente reconhecida.
Assistir a este clássico é sempre uma experiência que mexe com a memória afetiva. É participar mais uma vez do grande momento em que os garotos se unem para salvar não só o E.T., mas todos os sentimentos que ele representa. Não à toa, a alma da criaturinha está ligada a um vaso de flores. Algo que lembro com carinho, desde aquela primeira vez que vi o filme, em 1991: vibrar ao ver as pétalas desabrochando novamente. Ele estava bem. Quando se despede de Elliott, já na floresta, pede ao menino que o guarde na memória e no coração. Um pedido que todos nós atendemos.
Nota: ★★★★★
Ficha Técnica
Título original: E.T. the Extra-Terrestrial
Ano: 1982
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Melissa Mathison
Elenco: Henry Thomas, Drew Barrymore, Robert MacNaughton, Dee Wallace e Peter Coyote
Fotografia: Allen Daviau
Montagem: Carol Littleton
Trilha original: John Williams