Horrorscópio | O Maníaco

Não há como fugir: a concepção de terror, através do serial killer, é um aspecto já icônico criado pelo cinema. Inúmeros filmes induzem o público na atmosfera de tensão por conta do arquétipo de um assassino que desorienta os demais personagens, além de executar cenas de mortes sangrentas. Slashers como Halloween, Sexta-Feira 13 ou os mais recentes como Pânico e Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado, são exemplos.

Na década de 1980, tivemos vários trabalhos que colocavam o público sob o clima macabro ao desconstruir imagens de indivíduos psicóticos que perseguiam adolescentes, mulheres indefesas e promoviam cenas de mortes criativas e calibradas de adrenalina. O Maníaco é um exemplo, ainda que um filme de proporção um tanto diferenciada, mas com nível de gore exemplar.

Um dos méritos da obra reside na interpretação de Joe Spinell, o ator que também foi co-roteirista, consegue externar a sensação de desequilíbrio e deformidade de caráter. Eis um homem atormentado por traumas, abusos sofridos durante a infância, a perda da mãe, e uma educação abusiva que removeu qualquer indício de moralidade. Uma criatura doentia que perambula pelas ruas sombrias de uma Nova York decadente.

Logo de início, o público percebe que o protagonista tem muito a horrorizar. Frank Zito é um homem perturbado, capaz de cometer crimes hediondos sem um único receio. Os fãs de sanguinolência acabam por se identificar, já que o roteiro manifesta as intenções deste ser obscuro. Por vezes, a fita nos remete ao clássico O Assassino da Furadeira, lançado um ano antes.

Dirigido por William Lustig (que também realizou outros trabalhos de terror, como o slasher policial Maniac Cop: O Exterminador), a fita exibe as perspectivas e situações que o serial killer enfrenta. Na primeira parte, vemos os assassinatos cometidos por ele; na segunda, entra em cena a personagem defendida por Caroline Munro, a fotógrafa Anna, que mantém uma estranha e dúbia relação com o maníaco.

O filme tem aspecto cru, quase como um documentário, em que os personagens nem parecem ser ficcionais. O tom da narrativa nos remete aos do gênero do Cinema Marginal: câmeras próximas aos rostos dos atores, que se permitem ao improviso, takes retratados em planos-médios, sem tanta marcação e posicionamentos de cena. A impressão é de um “cinema verdade”, sem artifícios, quase sem trilha sonora e com linguagem direta.

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O mais assustador é que percebemos que Zito é um homem que não mede as consequências. Solitário, sem laços familiares e afeto, procura mulheres para matar no intuito de adornar com peles das vítimas os manequins que lhe fazem companhia em sua casa.

Por isso, o roteiro investe em cenas em que o maníaco procura prostitutas (como na estranha sequência em que ele leva uma para o quarto e simula o interesse sexual) e a escapela sem arrependimentos; ou quando persegue uma enfermeira por um take prolongado de cinco minutos, que termina em um banheiro público do metrô, deixando a vítima sem opções de defesas.

A performance de Spinell é forte, trejeitos e olhares de alguém desprovido de emoções. O ator, com seu físico desajeitado e aspecto de gente comum, só potencializa o efeito de naturalidade. Na maioria das cenas, fica evidente que é um personagem de poucas falas, demarcando silêncios, como um observador prestes a capturar alguém. Já outras mostram a personalidade obscura, como os momentos de maiores diálogos que colocam Zito conversando consigo mesmo em monólogos assustadores (ele muda o tom de voz e encarna o papel de sua mãe, como um Norman Bates de Psicose). Vemos que a relação com o materno é forte, enquanto interpretamos que a sua doença está ligada à fixação com o feminino.

Bem dirigido, ainda que com um orçamento absurdamente baixo (aproximadamente 350 mil dólares), a fita tem uma direção de arte interessante. Um exemplo é o ambiente interno da casa de Zito, o lugar em que ele armazena seus manequins de gente. O cenário em que vemos a personalidade real do homem que se esconde em seu próprio mundo particular e macabro.

A parede do quarto — com cartazes de imagens de mulheres seminuas e figuras disformes, além de palavras escritas na parede como “kill” , expõe sua psicopatia; como um cenário de um pesadelo. Zito trata seus manequins como pessoas de verdade, e enxergamos nos objetos que compõe sua casa (a penteadeira ou os figurinos que usa) uma forte conexão com seu desequilíbrio mental.

Violento e realista, temos um horror que exibe uma doença social. A psicose urbana de alguém abusado pelo sistema que acaba por entrar em colapso. Um filme ainda emblemático e com um dos finais mais agonizantes já realizados. Um exemplo de slasher que permanece memorável na história da cinematografia e um prato cheio para o gênero.

Curiosidade: recentemente, o filme obteve um remake protagonizado por Elijah Wood no papel-título.

Nota: ★★★★✰

Ficha técnica

 

Título original: Maniac

Ano: 1980

Direção: William Lustig

Roteiro: C.A. Rosenberg

Elenco: Joe Spinell, Caroline Munro, Tom Savini, Abigail Clayton

Trilha sonora: Jay Chattaway

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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