Miss in Scene | O Cinema de Sofia Coppola
Ela nasceu em uma família que pode ser considerada realeza no âmbito cinematográfico. Sofia Coppola tem talento e sensibilidade natos, além de um tino para a arte que parece vir de berço.
Para os mais desavisados, é bom esclarecer: a parcela artística do clã Coppola não para em Sofia e no papai, Francis Ford, diretor de clássicos como a trilogia O Poderoso Chefão. Além de figuras mais óbvias (por utilizarem o sobrenome famoso) como o avô Carmine Coppola, compositor de trilhas de muitos filmes de Francis e ganhador de um Oscar; e do irmão de Sofia, Roman, que é diretor, roteirista e produtor com créditos que incluem Moonrise Kingdom e a série Mozart in the Jungle; tem a tia Talia Shire, e os primos Jason Schwartzman e Nicolas Cage. Isso só para citar os nomes mais reconhecidos em terras tupiniquins, porque para relacionar todo mundo, acredite, precisaríamos de um texto só para isso.
Mas o assunto aqui é essa mulher que, mesmo com o peso de um sobrenome e uma família tão presente no meio artístico, construiu seu próprio nome na indústria do cinema como uma diretora e roteirista de prestígio. Não apenas isso: Sofia Coppola demonstra personalidade e sabe dar a sua assinatura aos filmes de uma forma que se torna quase desnecessária a presença de seu nome nos créditos finais ou iniciais.
Um exemplo disso são as paletas de cores, sempre com a predominância de tons pastéis e românticos, mesmo em filmes que nada tem de relações amorosas. Na verdade, a coloração tem muito a ver com um dos temas que parece atrair bastante a roteirista e diretora: a juventude relacionada à feminilidade.
“Nós sentimos a prisão que é ser uma garota.” (As Virgens Suicidas)
É notável que a maior parte das histórias contadas por Sofia gira em torno de mulheres jovens. Ela sempre tenta desvendar um pouco da alma feminina e do que significa ser mulher desde o momento mais crítico da formação humana – a adolescência.
Já em seu longa de estreia, As Virgens Suicidas, a diretora explora os rompantes adolescentes sob a tentativa de controle exacerbado por parte dos pais. O filme, baseado no romance de Jeffrey Eugenides, mostra como as meninas amadurecem mais rápido que os meninos, com o modo como os garotos da vizinhança são absolutamente vidrados nas irmãs Lisbon e todo o mistério que as envolve, em especial Lux (Kirsten Dunst). De certa forma, esse amadurecimento combinado com a redoma imposta principalmente pela mãe das garotas, é o que as sufoca. “Doutor, você nunca foi uma garota de 13 anos”, diz Cecilia ao médico. Sofia trabalha com maestria os anseios de meninas que querem se sentir livres.
É por essa lógica que Sofia segue em boa parte de sua filmografia como diretora. Encontros e Desencontros, que dizem ser sobre um período de seu casamento com o também diretor Spike Jonze – casamento esse que, aparentemente, também foi estopim para outra maravilha do cinema, igualmente estrelada pela (voz da) Scarlett Johansson, o filme Ela – também mostra uma moça lidando com as escolhas da sua vida até ali. Colocando Charlotte, a personagem de Johansson, em oposição a um homem mais velho (Bill Murray), Sofia evidencia o frescor da juventude, ainda que a jovem passe por momentos de reflexão.
Após esses dois trabalhos, é fácil entender o que atraiu Sofia em personagens que não são originalmente seus (ou são reais): Maria Antonieta é sobre a jovem da realeza austríaca que virou rainha da França; Bling Ring: A Gangue de Hollywood é sobre o grupo de adolescentes que invadiu mansões de famosos para roubar itens de luxo (e tem ares que muito se assemelham a um de seus primeiros curtas-metragens, Lick The Star, com a narrativa da “pobre menina rica”); e O Estranho Que Nós Amamos se passa em uma escola para garotas.
Porém, pode-se dizer que não é por mostrar a alma feminina que Sofia Coppola dá tudo de bandeja. Ela sempre mantém certo mistério, que dá charme e personalidade aos seus filmes e às personagens que cria ou dirige.
É notável como costuma contrapor personagens através do sentimento de fascínio: geralmente, há alguém (ou vários indivíduos) encantado, quase que enfeitiçado, por um único personagem (na maioria das vezes, uma mulher bem jovem). E isso geralmente evidencia uma solidão profunda, tanto do “objeto de desejo” quanto de quem está sob seu encanto.
“Me sinto tão sozinha, mesmo quando estou cercada de outras pessoas” (Encontros e Desencontros)
É até interessante pensar que uma pessoa vinda de uma família tão grande se sinta tão atraída pelo tema “solidão”. Ao mesmo tempo, Sofia consegue trabalhar o assunto através de diferentes ângulos, sendo o grande ponto em comum o traço do fascínio de um personagem pelo outro, como dito anteriormente.
Se em As Virgens Suicidas a solidão é imposta às meninas através da privação de liberdade, além de termos os garotos completamente vidrados em tudo que diz respeito às irmãs, em Encontros e Desencontros também temos um homem fascinado por uma garota meio perdida e solitária, isolada de tudo o que ela conhece. Mas, aqui, trata-se de uma solidão rodeada de pessoas. Em uma temporada longe de casa para acompanhar o marido em um trabalho, a jovem Charlotte tem momentos de diversão, mas é clara a falta que sente de seu companheiro, que mal tem tempo para ela. Em um país com a densidade populacional como a do Japão, com ruas sempre repletas de pessoas, contemplamos Charlotte caminhando pensativa com seu guarda-chuva em punho em meio a uma população e um local tão diferente do que está acostumada, isolada até pelo idioma.
Não se engane em achar que Maria Antonieta não segue essa mesma linha; a jovem foi enviada à França para se casar com um completo desconhecido. Teve que se desfazer de tudo o que era austríaco, até mesmo do seu adorado cachorrinho. De repente, se viu solitária numa corte movimentada, mas que não a fazia se sentir em casa. Ao mesmo tempo, causava fascínio em todo o reino e era o principal alvo de fofocas.
Já em Bling Ring, é o menino gay que fica deslumbrado por sua nova amiga e o que ela representa — esse fascínio é usado como uma forma de fuga da própria solidão.
Se geralmente o objeto de fascínio é do sexo feminino, Sofia se reinventa ao filmar uma nova versão para o romance de Thomas Cullinan, O Estranho Que Nós Amamos. Previamente levado às telas por Don Siegel na década de 1970, o filme mostra meninas intrigadas com a chegada de um homem ferido e desconhecido à sua escola, perto do fim da Guerra Civil Americana.
Talvez o filme que fuja mais desse padrão é Em um Lugar Qualquer. No entanto, a solidão aqui se torna quase um terceiro personagem, entrando e saindo de cena junto com Stephen Dorff e Elle Fanning. O personagem de Dorff, aliás, procura preencher o vazio de sua vida através do prazer.
“Acho que só queríamos ser parte daquele estilo de vida. O estilo de vida que todo mundo meio que quer.” (The Bling Ring: A Gangue de Hollywood)
Se tem algo que Sofia sabe filmar de forma bem particular, são os prazeres da vida. Esses momentos em suas fitas tendem a lembrar videoclipes, sempre com uma canção que é a cara de toda a estética da diretora combinadas a sua já identificável paleta de cores. Os temas são variados — coloca-los em uma lista dá a sensação de estarmos descrevendo os pecados capitais.
Apesar de em seu debut Sofia ter mostrado exatamente o contrário — a privação dos prazeres (embora testemunhemos os desejos carnais bem aflorados da personagem de Dunst) —, com uma mãe obrigando a filha a queimar todos os seus discos de rock, a maioria dos filmes seguintes da diretora mostram os prazeres de forma mais evidente. Talvez o primeiro ápice tenha sido em Maria Antonieta, onde Sofia nos apresenta uma infinidade de roupas e sapatos (bem ao estilo Maria Antonieta, que era um ícone fashion da época), junto com doces de encher os olhos (e dar água na boca). Tudo ao som de I Want Candy, da banda Bow Wow Wow. Além do gosto por moda e pâtisserie, a luxúria também permeia a história ali contada.
O consumo e o luxo também parecem ser o que atraiu Sofia para a história de Bling Ring, que explora o estilo de vida das celebridades e de jovens anônimos de Los Angeles. É a cultura de ser o que se tem e a rebeldia de querer ter tudo. A busca por adrenalina. Da mesma forma, a luxúria e sensualidade certamente foram algumas das características que fizeram os olhos de Sofia brilhar ao escolher O Estranho que Nós Amamos, já que ali vemos três gerações de mulheres lidando com seus desejos.
É até curioso que, com seu olhar tão delicado e o cuidado que tem com seus filmes, Sofia tenha apenas um Oscar de Melhor Roteiro e outras duas indicações (direção e filme), todas por Encontros e Desencontros. O que esperamos é ver ainda muitos filmes dessa diretora e roteirista, uma Miss in Scene que cria teias de prazer, solidão e feminilidade. Na verdade, o prazer é todo nosso, Sofia.