Horrorscópio | O Lamento

 

Hong-jin Na é um diretor que adora explorar os pecados humanos, com todas as consequências e perdas. Seus personagens “quebrados” fazem com que criemos uma identificação imediata, já que lá dentro temos um lado mais obscuro o qual preferimos manter longe dos olhares.

É exatamente nesse intimismo que o diretor vai a fundo, explorando o medo e trazendo à tona o lado mais sombrio do ser humano. A história parte do ponto em que, após a chegada de um misterioso estranho (Jun Kunimura) em uma aldeia tranquila, se inicia uma onda de assassinatos cruéis, causando pânico e desconfiança entre os moradores.

Temos quase três horas de filme, das quais 1/3 serve basicamente para a apresentação de seus personagens. A partir da primeira cena após o prólogo, em que o policial Jong-goo (Do-won Kwak) acorda com um chamado, já nos é definido o tamanho respeito e carinho que ele tem pela família. Mesmo atrasado, se rende ao pedido da sogra para se alimentar antes de sair. Pode até parecer uma cena boba, que não leva a lugar nenhum, mas constrói uma relação familiar forte, visto que ele está adiando uma responsabilidade profissional.

O que começa como um thriller policial, acaba tendo alguns momentos mais descontraídos — não uma comédia escrachada, mas sim por situações da qual os policiais agem de modo ridículo, humanizando ainda mais aqueles personagens. Quem nunca se sentiu ridicularizado após passar por um susto? O roteiro martela nisso, nos fazendo criar empatia pelo protagonista. Quando já temos uma boa estrutura, o filme finalmente nos imerge no horror; é onde as dúvidas começam a ficar cada vez mais complexas. Nesse ponto, faz todo sentido o longa ser mais extenso, já que o desenvolvimento de personagem precisa ser feito com cuidado, pois é o principal pilar da obra.

A fotografia explora aquele vilarejo e suas montanhas com planos abertos sombrios, extraindo a tensão em que aquele povo vive, e chamando o público para toda a atenção que o filme precisa. A câmera se mexe lentamente, sem movimentos agressivos, sendo posicionada de forma discreta, como se observasse os personagens sem a intenção de ser notada. E é exatamente esse o sentimento em diversas cenas: a nossa curiosidade, mas a não intenção de sermos percebidos.

Um dos fatores técnicos mais importantes é a montagem. Ela ajuda a construir a tensão durante os diálogos, com planos e contra planos muito efetivos, dando um dinamismo melhor e enaltecendo as expressões dos personagens; sem esse recurso, continuaríamos tendo bons diálogos, mas perderíamos o poder dos olhares — vale enaltecer que os olhos têm um papel essencial durante todo o longa.

O filme trabalha pouco com a música. Apenas em momentos cruciais ela é inserida como artifício atmosférico, e não para emular sentimentos ao público. Os sons diegéticos que são essenciais para a narrativa, deixando tudo mais cru e sendo coerente, já que tudo no filme é feito para ser o mais natural possível, mesmo quando tem algo que ultrapassa o normal está presente. De certo modo, até o sobrenatural passa a ser aceitável, pois a fé dos personagens é algo bem explorado; Cristianismo, Budismo, Taoísmo, Xintoísmo, entre outras. É difícil pegar todas as referências religiosas envolvidas na trama.

Ficamos perdidos em diversos momentos: o longa tenta nos confundir sempre, com plot twists bem efetivos, mas, ao mesmo tempo, vários planos detalhe nos entregam pistas, para que montemos o quebra-cabeça. Obviamente, fica muito difícil montá-lo da primeira vez que assistimos, pois o roteiro e a montagem tentam a todo momento nos despistar. O ramo morto encontrado pelo nosso protagonista logo no começo do filme é um desses exemplos: lá na frente o veremos e, sem nenhuma linha de palavras, apenas com imagens, nos será explicado seu significado. Outra cena que utiliza esse artifício é o epílogo, mencionado acima, quando o japonês espeta a minhoca em um anzol de duas pontas, a clara demonstração das duas armadilhas e uma isca, plantadas para fisgar o protagonista.

Também temos simbolismos poderosos durante a cena da caverna, quando o diácono questiona quem seria o velho japonês. Ali percebemos que, independente do que você creia, o mal se personificará sempre no que lhe foi doutrinado; não existe uma única forma representativa do mal, física ou espiritual — ele irá se manifestar para cada um como aquilo no que de mais terrível cada pessoa acreditar. A utilização da câmera fotográfica como uma arma que captura almas também é genial, pois torna eterna a expressão de medo, o pavor que se exalta quando finalmente damos de frente com a verdadeira maldade humana.

 

Assim como o Canto do Galo na Bíblia, Jong-goo nega a ajuda da mulher misteriosa (Woo-hee Chun) três vezes, mesmo a mesma afirmando que após do terceiro canto do galo, sua família estaria protegida e o espirito maligno, preso em sua armadilha.

O Lamento

Esta não é uma obra fácil, ela bate em questões humanas nas quais estamos acomodados e acaba nos fazendo abrir os olhos para certos assuntos. A relação humana com a necessidade de manter juntas as religiões e a nossa essência enquanto seres de carne e osso, de negar a dolorosa verdade e correr para a facilidade das mentiras, mesmo que seja na verdade onde se encontre a paz. No fim, nos resta lamentar.

Nota: ★★★★★

 

Ficha Técnica

Direção: Hong-jin Na

Roteiro: Hong-jin Na

Elenco: Do-won Kwak, Jung-min Hwang, Jun Kunimura, Woo-hee Chun, Hwan-hee Kim, So-yeon Jang, Do-yoon Kim, Kang-gook Son, Seong-yeon Park, Chang-gyu Kil, Bae-soo Jeon

Fotografia: Kyung-pyoHong

Trilha Sonora: Dalpalan, Young-gyu Jang

Montagem: Sun-min Kim

Direção de Arte: Hwo-Kyoung Lee

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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