Clube Cartoon | Ilha dos Cachorros
Wes Anderson é um diretor americano que se destaca no rol dos realizadores contemporâneos por imprimir uma marca própria no modo de criar filmes. O humor excêntrico, a direção elegante e perfeccionista, a sua autoria é plenamente distinguível em suas obras. Assim como Jim Jarmusch e Joel e Ethan Coen, é um artista que possui senso de humor peculiar e seus trabalhos são sempre esperados com muita euforia pelos fãs e festivais. Na segunda empreitada na animação, após o cultuado O Fantástico Sr. Raposo, Anderson cria esse épico canino em stop-motion chamado Ilha dos Cachorros.
Rodeado por amigos, Wes Anderson co-escreveu o roteiro junto a Jason Schwartzmann, Roman Coppola e Kunichi Nomura. Nasce, então, essa homenagem ao cinema e cultura japonesas travestida de crítica social e ambiental. Dividido em prólogo e 4 capítulos, a animação inicia fazendo alusão às lendas japonesas no eterno embate entre o bem e o mal (gatos x cachorros), ao som de tambores que nos lembram o prenúncio de uma guerra; um embate milenar que aconteceu e está por vir. No entanto, a obra não é tão simples assim e na verdade os verdadeiros antagonistas dos cães são os próprios homens.
Em uma distopia que se passa em futuro próximo na cidade de Megasaki, no Japão, os cães são banidos da cidade pelo prefeito Kobayashi, devido ao surgimento de doenças, como a gripe canina. O político, pertencente à dinastia de mesmo nome e apreciadora de gatos, como visto no prólogo, deseja transformar o melhor amigo do homem em lixo; vidas descartáveis enviadas para uma ilha repleta de detritos e sujeira. E substituir carne e osso por metal, ao criar robôs caninos que possam tirar o lugar dos cães.
O que Kobayashi não esperava é que o garoto Atari fosse procurar o seu cãozinho Spots na localidade, o que dá início a uma deliciosa jornada de amizade e reflexão sobre os tempos atuais. O humor excêntrico está presente, inteligente e os melhores personagens são justamente os cachorros. Com um elenco formidável de dubladores, cada animal tem a sua própria personalidade. O que se destaca mais é Chief, dublado por Bryan Cranston, cão de rua, indomável e pouco disposto a cooperar com humanos. Ele vai na contramão dos seus parceiros e é dono das melhores cenas. Sua transformação é excelente, ao descobrir o carinho e fidelidade, atitudes alheias para àquele ser vivo que só sabia o que era indiferença e abandono. E as vozes de Edward Norton, Bob Balaban, Bill Murray, Jeff Goldblum, Greta Gerwig, Frances McDormand, Scarlett Johansson, Harvey Keitel, Live Schreiber, dentre outros, só fazem enriquecer a experiência de ver a animação com dublagem original.
Wes Anderson homenageia o cinema desde o western visto no capítulo 1, no embate entre os cães até as obras realizadas no Japão, como os filmes de Akira Kurosawa. A fixação simétrica do diretor continua a aparecer, em planos retilíneos e um apuro estético sempre presente em suas obras. A trilha sonora composta por Alexander Desplat é um grito de guerra, repleta de tambores e que empolgam o espectador a embarcar nessa divertida aventura. A animação cria efeitos convincentes e divertidos, como a fumaça que encobre os cães quando entram em combate, dignas de episódios dos Looney Tunes.
A situação dos cachorros serve de alusão a eventos reais e assustadores, como a política Trump em desfavor dos imigrantes, dialogando sobre temas como abandono e maus tratos a animais e corrupção na política. Embora os animais sejam tão divertidos, os seres humanos são indiferentes — não sentimos muita empatia pelo protagonista Atari e sua jornada. A escolha do diretor em usar a língua japonesa sem legendas em suas vozes nos aproximam ainda mais dos personagens caninos, em que seus “latidos” são dublados em inglês, uma linguagem mais fácil de identificar. Seres tão sedentos por poder como os humanos não sabem que simples demonstração de fidelidade ou carinho trazem uma felicidade inesperada, seja para com outro semelhante, seja para animais de outras espécies.
Longe de ser infantil, Ilha dos Cachorros agrada mais os adultos com suas piadas inteligentes e uma trama que explora elementos reais. Embora tenha um humor sarcástico por vezes, o clima é leve, diferente do excepcional filme Deus Branco, do diretor Kornél Mundruczó, que tem como personagens principais cachorros também, mas com uma aura mais sombria e nada amigável da relação entre humanos e animais. Ambos mostram o abandono e a revolução canina. Wes Anderson nos presenteia com mais um trabalho magnífico digno de prêmios que entretém e, ao mesmo, nos faz pensar sobre nossas atitudes perante outros e nossos queridos “melhores amigos”. Mostra que a visão de mundo peculiar do diretor não se aplica apenas no live action, mas também na animação.
Nota: ★★★★✰
Ficha Técnica:
Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs)
Ano: 2018
Direção: Wes Anderson
Elenco (Vozes): Bryan Cranston, Edward Norton, Scarlett Johansson, Bob Balaban, Bill Murray, Jeff Goldblun, Greta Gerwig, Frances McDormand, Harvey Keitel, F. Murray Abraham, Yoko Ono, Tilda Swinton, Ken Watanabe
Roteiro: Wes Anderson, Jason Schwartzmann, Roman Coppola e Kunichi Nomura.