GLOW | 2ª temporada
O termo “mulheres fortes” é cada vez menos aceito em Hollywood. Afinal, por que falar apenas “mulheres” não pode ser sinônimo suficiente para se referir às personagens do sexo feminino com personalidade (da mesma forma que não se usa “homens fortes”)? A segunda temporada da série GLOW traz mais uma vez o poder de escolha e resiliência de mulheres que demonstram não só força emocional e capacidade de dar a volta por cima, como também um potencial físico sensacional. A produção original da Netflix continua celebrando o feminino, as diversas personalidades, tipos físicos e etnias de suas personagens.
A série criada por Liz Flahive e Carly Mensch — que estão entre as roteiristas de Capitã Marvel e escreveram diversos episódios de séries como Nurse Jackie — teve ainda 12 dos 20 episódios já disponíveis dirigidos por mulheres (6 em cada temporada).
A segunda parte da história, que chegou à Netflix no final de junho, continua girando entre as idas e vindas da amizade de Ruth (Alison Brie) e Debbie (a inspiradíssima Betty Gilpin), enquanto Sam (Marc Maron), Bash (Chris Lowell) e as garotas procuram novas ideias para fazer das Gorgeous Ladies Of Wrestling um sucesso na TV.
A exemplo da primeira temporada, há plots especiais para algumas das coadjuvantes. Dessa vez, as escolhidas foram Tammé (Kia Stevens), Rhonda (Kate Nash) e Cherry (Sydelle Noel), além da continuação da história entre Justine (Britt Baron) e Sam. Apesar de essas narrativas serem carregadas de assuntos importantes e que solidificam a fortaleza que são essas mulheres — em especial a história de Tammé, uma verdadeira guerreira, e seu filho —, o espectador pode sentir falta de uma participação mais proeminente de personagens já queridas, como Carmen (Britney Young), a loba Sheila (Gayle Rankin) e Melrose (Jackie Tohn). O subaproveitamento é doloroso principalmente no caso de Carmen, que parece só dar as caras na tela na hora de expressar os ciúmes que sente de Bash.
Uma das abordagens interessantes da temporada está no episódio 5, intitulado Pervertidos Também São Gente — como sempre, a série brinca com sarcasmos e ironias. O abuso de poder enquanto ferramenta para avanços sexuais é bem pertinente em tempos de movimentos como #MeToo e Time’s Up. Mas o que chama atenção e se torna a verdadeira pauta são as reações de diversos personagens ao tomarem conhecimento do ocorrido. Da mesma forma que algumas são surpreendentes, é também revoltante a reação de uma das garotas, que culpa a vítima e a condena — ainda que saibamos que se trata de uma resposta minada por mágoa.
O alto teor de sarcasmo e ironia de GLOW faz com que algumas sacadas nas falas e comportamentos dos personagens pareçam machistas. Esse padrão, que já vinha da primeira temporada, é ainda mais forte na segunda. Mas, ao contrário de celebrar um machismo, seja ele velado ou escrachado, o entendimento dessas tiradas diz muito mais sobre o espectador do que sobre a série em si. É um recurso inteligente para fazer o público analisar suas próprias crenças e concepções sem a necessidade de o roteiro apontar o dedo diretamente para quem assiste ou para o problema.
O crescimento pessoal de Sam Sylvia também é um dos trunfos dessa temporada. Não só a paternidade o faz rever alguns conceitos, como o modifica em um nível muito maior do que ele jamais imaginaria, refletindo inclusive em seu trabalho como diretor e criador do programa de luta; a transformação é tanta que modifica sua relação com algumas das garotas. O homem machista, de ego inflado e frustrado vai, aos poucos, dando lugar a um homem mais maduro e aberto.
Além de um Sam mais “adorável”, o arco do produtor Bash Howard também tem desdobramentos interessantes, com seu envolvimento abrupto com umas das garotas. Conseguimos ainda conhecer um pouco mais sobre ele, suas aspirações e o que o faz investir tanto em um programa de luta livre feminino.
Uma adição inesperada ao elenco foi Russell Barroso (interpretado por Victor Quinaz), um ex-cinegrafista de filmes pornô que passa a integrar a equipe de filmagem de GLOW. O envolvimento entre ele e uma das protagonistas parece morno, sem graça, e nada promissor no início. Porém, as coisas mudam de figura com o passar dos episódios, e a paquera vai ganhando o espectador.
E o que dizer das protagonistas? Betty Gilpin está ainda melhor que na primeira temporada (pela qual acabou de ser indicada a um Emmy) e dá um verdadeiro show como Debbie. Ainda que Alisson Brie seja maravilhosa e o centro das atenções desde a season one, Betty se entregou sem medo a toda a amargura que sua personagem guarda. O resultado foi uma performance quase visceral e que desperta todo tipo de reação do público, da emoção ao riso, da torcida à raiva.
A vulnerabilidade e o carisma que Alison confere à sua personagem também a faz brilhar, mas é com o alter ego de Ruth no programa, a russa Zoya, que a atriz se destaca mais uma vez. Ali, ela parece estar em seu elemento. Alison fica tão confortável que, às vezes, até nos esquecemos dos demais atores em cena.
Uma terceira temporada ainda não foi confirmada, mas é muito provável que a série seja renovada. Fica a curiosidade para ver como ela vai se configurar com as novidades que os ganchos da season finale deixaram para a continuação da história. A única certeza é que, para os fãs, GLOW já foi coroada como vencedora.