Bang Bang | Jogos e Trapaças – Quando os Homens São Homens

 

A década de 1970 é amplamente conhecida como uma das mais ricas e criativas épocas para o cinema norte-americano, por revelar grandes artistas que fariam obras-primas. Um desses nomes é Robert Altman que futuramente faria seu testamento cinematográfico com o contracultural mosaico de Nashville (1975) para construir um retrato social e o cinismo que beira a paródia de O Jogador duas décadas depois.

Apesar de já ter ganho grande notoriedade em M.A.S.H. (comédia de bastante improviso para falar da guerra da Coreia) com o acúmulo de indicações (incluindo o Oscar) e até mesmo a vitória da tão sonhada Palma de Ouro em Cannes, o que surpreende é o fato de investir seu talento num faroeste atípico e dramático um ano após tanto sucesso de crítica e bilheteria. A verdade é que Jogos e Trapaças – Quando os Homens São Homens pode frustrar muito aqueles que esperam desertos; herói, mocinha e vilão bem delineados; tiros desenfreados e um final feliz.

A desmistificação do gênero tem início e fim com Warren Beatty interpretando um homem simpático, mas sem características do clássico macho alfa (o mesmo chega a flertar com a covardia) e Julie Christie (indicada ao Oscar pela atuação) como uma prostituta viciada em ópio com o objetivo de ganhar dinheiro e viver de maneira pacífica.

Contudo, é interessante a inversão de papéis que o roteiro realiza ao fazer com que a mulher (devido ao status de baixo valor moral) seja determinada, pertinente e nada frágil, conseguindo ter mais liderança e noção de contabilidade do que seu sócio que teve a ideia do empreendimento. O genial título original (McCabe & Mrs. Miller) já escancara a natureza daquela relação: no lugar de and para representar um casal, o uso do & dá o tom comercial/empresarial que o filme quer imprimir.

A ironia é que ambos não enxergam o futuro com o consequente progresso (cada vez mais selvagem) do capitalismo. Muitos estão à espreita prontos para mentir, omitir, enganar e cometer barbáries pelo puro dinheiro — seja pelo simples lucro ou cumprir sua função designada.

Logo, o diretor utiliza o Velho Oeste como plano de fundo para explorar temas como ganância, corporativismo e a incansável vontade do ser humano de vencer na vida, não se preocupando tanto com os elementos que definem o faroeste, uma vez que o roteiro está mais focado nos momentos intimistas que permitirão um desenvolvimento mais adequado aos protagonistas.

Possuindo o intuito de se afastar ainda mais do visual clássico e convencional, a extraordinária fotografia de Vilmos Zsigmond (indicado ao BAFTA pelo trabalho) cria uma névoa que parece pairar sobre absolutamente todos os frames da obra filmada pelas câmeras da Panavision, incluindo os belos planos abertos para dar dimensão geográfica ao espectador e a sensação de contemplação — a escolha, além de passar um aspecto melancólico crescente, também significa a falta de clareza que temos relativa ao caráter de todos os indivíduos daquele mundo.

E esse viés de lamento e melancolia é reforçado pela ausência de trilha sonora, apenas sendo invadido com as belas canções de Leonard Cohen que conseguem transmitir o âmago da película. As músicas “The Stranger Song” e “Sister of Mercy” são poéticas e encaixam-se como uma luva para a proposta. Entretanto, “Winter Lady” ganha mais destaque por encerrar o filme de modo pessimista (um final triste e memorável) e evidenciar a destruição física e emocional daquelas almas errantes que tanto buscam alguma forma de redenção e felicidade.

Não é à toa que Paul Thomas Anderson é considerado o discípulo mais fiel do diretor, já que Sangue Negro muito se assemelha tematicamente a este anti-western (termo que poucas vezes foi tão bem colocado para captar a essência de algo inserido nesse contexto) de 1971. Uma pequena joia que merece ser (re)descoberta por provar a imensa versatilidade do gênio que foi Altman.

Nota: ★★★★★

 

 

Ficha técnica

Nome Original: McCabe & Mrs. Miller

Ano: 1971

Direção: Robert Altman

Roteiro: Robert Altman e Brian McKay

Elenco: Warren Beatty, Julie Christie, Shelley Duvall, Rene Auberjonois, William Devane, John Schuck, Corey Fisher, Bert Remsen, Linda Sorensen, Keith Carredine, Michael Murphy, Janet Wright, Jack Riley

Montagem: Lou Lombardo

Fotografia: Vilmos Zsigmond

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Jonatas Rueda

Capixaba, formado em Direito e cinéfilo desde pequeno. Ama literatura e apenas vê séries quando acha que vale muito a pena. Além do cinema, também é movido à música, sendo que em suas playlists nunca podem faltar The Beatles, Bob Dylan, Eric Clapton e Led Zeppelin.

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