Miss in Scene | A Chegada

Como lidar com uma realidade não linear, sabendo que suas escolhas afetam diretamente o futuro da humanidade? E se sua habilidade de articulação e compreensão acerca de linguagens diferentes fosse seu próprio superpoder para salvar o mundo de um desastre iminente? A palavra, ao invés da força. As motivações da Dra. Louise Banks em A Chegada, são alheias a ela mesma, pois estão conectadas às consequências de seus atos passados, mas é essa inconsciência que a move em seu objetivo — e, nesse contexto, ela é a única e possível heroína dessa história.

amy adams A Chegada

Louise é a alma do filme, rodeada de homens, trajes e regras. A peça-chave, recrutada pelos militares americanos para decifrar a língua dos alienígenas e permitir a interação com eles. Desenvolver comunicação entre espécies leva tempo, e Louise, constantemente, tem que lidar contra a pressão gerada por uma população em pânico, mídia sensacionalista e militares de 12 países; todos assumindo que a coisa a fazer é usar força contra os heptapods, para afastá-los ou matá-los.

Em meio a esse caos, ela se opõe aos homens com informações e fatos, e nunca com petulância. Mais um trunfo em sua habilidade de articulação e comunicação, fato que faz com que militares, doutores e políticos a procurem em busca de respostas.

Falando um pouco do gênero: essa ideia combinada em incontáveis ​​filmes de ficção científica forneceria a explicação padrão para explicar a razão de os alienígenas estarem na Terra: eles vieram para invadir nosso planeta e nos destruir, nos levando a lutar entre nós; sendo assim, devemos aniquilá-los. Mas aqui a presença de Louise e suas atitudes geram uma reviravolta na narrativa.

amy adams A Chegada

Sua compreensão sobre linguagem e tempo, mesmo que inconsciente ou adormecida, cria a lente primária através da qual a realidade é percebida, criando uma espécie de consciência expandida que torna difícil ver as coisas de maneira diferente — neste caso, uma razão mais benigna do porque esses estranhos visitantes extraterrestres pousaram na Terra. Sabemos que o propósito era a união entre os povos, o que resultaria em inúmeros benefícios milhares de anos depois. O movimento da personagem desmistifica o motivo comum à uma explicação muito mais humana. Ora, ela humaniza os alienígenas.

Falando um pouco sobre o tempo: sabemos que a Dra. Banks vive numa realidade simultânea e sua comunicação com os heptapods lhe permite expandir essa visão e reprogramar seu cérebro para vislumbrar as causas de seus efeitos no presente; refletindo passado e futuro, como num paradoxo temporal. Tudo isso, para dizer que ela não é apenas uma professora linguística, mas também uma viajante do tempo.

amy adams jeremy renner A Chegada

Nesse aspecto, nós temos uma mulher que está conectada a todos os arcos do filme, ou seja, tudo resulta nela, e nela tudo resulta. Isso nos leva a um aspecto emocional presente e especial: além de salvar a humanidade, a motivação inconsciente (que aos poucos vai se tornando consciente) da personagem é a chegada de sua filha Hannah e a relação das duas entre os tempos. As pistas que  obtém das visões de sua filha fornecem informações de que ela precisa para decodificar o que os heptapods estão dizendo. Ao mesmo tempo, ela também está se sentindo inspirada pelo amor que sente pela criança. Nesse contexto, Louise incorpora a capacidade de transformar situações através da expansão da consciência, e o sentimento é o catalisador dos acontecimentos.

Falando um pouco de Amy Adams: o que torna sua presença em cena tão fantástica, além da mulher que move tudo e todos na narrativa, é sua habilidade de nos trazer a sensação de que a personagem sabe que tudo está acontecendo de forma simultânea, mesmo sem compreender ainda. Então, quando ela passa a entender o efeito de suas escolhas, sua atuação consegue transparecer esse sentimento com muita clareza.

denis villeneuve amy adams A Chegada

Quão bonito pode ser quando uma mulher do outro lado da tela nos permite refletir? Perto do final do filme, Louise deve responder a uma questão essencial que todos nós enfrentamos, em muitas áreas da vida: se pudéssemos saber o que acontecerá no futuro, tomaríamos medidas para mudá-lo? E, por mais complexo que possa ser o que nos confronta hoje — conhecido e desconhecido —, podemos enfrentá-lo de todo o coração com amor e abertura para transformar e ser transformado? A Chegada nos deixa esse questionamento, através de uma presença feminina marcante, figura central e definitiva.

Ficha técnica

A Chegada (Arrival)

Ano: 2016

Direção: Denis Villeneuve

Roteiro: Eric Heisserer, Ted Chiang

Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Whitaker, Michael Stuhlbarg

Fotografia: Bradford Young

 

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Elaine Timm

Elaine é gaúcha, formada em Jornalismo, atua como social media e curte freelas. Blogueira de várzea, arrisca escritas diversas. Cinéfila, amante dos livros, musical e nerd desde criança, quer ser Jedi, mas ainda é Padawan. Save Ferris.

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