Persona | Erin Brockovich

“Adaptei toda minha vida às necessidades dos homens. Não farei mais isso”, protesta a nossa protagonista Erin Brockovich, em dado momento. Mãe de três filhos, separada de dois maridos, tendo que dar conta dos afazeres domésticos, do zelo familiar e de manter a estrutura financeira, já que acumula uma dívida superior a 17 mil dólares — eis um retrato feminino ainda atual.

A frase dita por ela nos ajuda a refletir sobre sua personalidade e situações que enfrenta na vida. Erin não se submete ao poderio masculino para sobreviver. Pelo contrário, é uma mulher que parte para liderança.

Logo no princípio do longa, o aviso de que teremos uma história baseada em fatos reais. O intuito de Steven Soderbergh é estabelecer a identificação com situações concretas.

“Só quero ser uma boa mãe. E uma cidadã decente.”

Temos uma mulher que precisa se ajustar socialmente, enfrentando sozinha a selva humana, sem um tostão no bolso da saia curta que costuma usar. Entre a cruz e a espada, logo no início visualizamos a sua atitude, quando lhe perguntam numa entrevista de emprego se ela teria algum tipo de treinamento na vida. A resposta de Erin é objetiva: “Não, eu tenho filhos. Aprendi muito com isso”. A fala expõe o lado maternal e a devoção que nutre pelos rebentos, colocando-os em primeiro grau.

Para Erin, só importa ter seus filhos ao lado.

Para Erin: a escola de sua vida foi sua maternidade.

Após perder a causa numa ação judicial referente a uma batida de carro em que o tribunal a julgou erroneamente, Erin vai ao advogado e exige que ele a recompense com um emprego em seu escritório. Então, o que parecia ser uma ocupação comum, torna-se a chance de transformar a vida em novas perspectivas como ser humano.

Nos primeiros dias do emprego, encontra inúmeros documentos de saúde que foram arquivados como processos de imobiliário. O que escondem tais documentos? Erin descobre que a corporação PG&E vinha contaminando as águas da pequena cidade localizada na Califórnia; poluindo os lençóis freáticos e expondo as pessoas ao cromo-6, algo totalmente perigoso.

Então, nossa valente mulher percebe que toda a região foi contaminada pelo curso da água envenenada, provocando danos irrepreensíveis à saúde da comunidade, atestando como um ato de crime ambiental.

“Eu sou boa com as pessoas. Pode acreditar!”

O que parecia ser um simples emprego para o sustento pessoal e dos filhos, torna-se uma batalha contra o sistema e uma luta individual para a dissolução de um crime. Mais que isso, um ato ético contra um abuso cometido por uma multinacional que deixou vítimas com problemas imunológicos, asma, câncer severo, dentre vários outros problemas de saúde.

Não existe um “não” para nossa Erin. É uma leoa em estado de alerta, contra toda a injustiça e disposta a levar dignidade às vítimas da PG&E. De simples auxiliar de escritório, torna-se cúmplice e protetora dos problemas que cada uma das famílias vivencia. Erin desafia a própria harmonia de sua vida, travando uma batalha que põe a comunidade aos seus pés, no desejo de derrubar a multinacional.

“Não seja bom demais comigo. Isso me deixa nervosa!”

Interessante como vemos a atuação de Julia Roberts calcada na rebeldia, no comportamento um tanto esnobe e agressivo, de acordo com a personalidade desbocada de Erin. Eis uma mulher sem “papas na língua”, que briga pelo que quer, xinga e fala na cara alheia as verdades que poucos querem ouvir. A atriz transmite uma atuação firme e imponente, já que temos uma mulher real e de dilemas humanos. Não há caricatura na encenação. O Oscar de Melhor Atriz foi justo através desta personificação sobre perseverança feminina; uma pessoa que não abaixa sua cabeça para qualquer tipo de intolerância e imoralidade.

“Você acaba de conhecer a verdadeira rainha de merda!”, grita em dado momento ao homem que passa a cuidar de seus filhos e, aos poucos, ganha seu coração. Erin se apaixona por George (Aaron Eckhart), o motorcycle man barbudo e tatuado de “coração mole”. O homem que torna a sua vida pessoal mais afetuosa. Enquanto a nossa protagonista parte como um animal contra o sistema, na sua casa enxergamos que ainda há uma mulher necessitada de cuidados, carinhos e sexo. Sim, é uma pessoa com fragilidades comuns.

Com seu patrão Ed Masry (um excelente Albert Finney), Erin ironicamente cria um elo de amizade, mas sem sair do salto, sem se submeter ao machismo e ao domínio alheio. Ambos passam a concentrar as forças, contabilizando maiores casos e organizando documentos como provas para o alcance do sucesso. Ter justiça é um direito e uma vitória.

O que dizer da mulher sem graduação, sem condições financeiras e preocupada em alimentar os filhos após essas situações que vive? A catarse que Erin vivencia não é apenas financeira, nem mesmo em relação à sua independência como mulher que não desiste de manter as rédeas do seu destino. Não, é sobre uma luta constante e diária. É sobre enfrentar os trâmites de um sistema negligente com o ser humano. É nunca baixar a guarda para a sujeira ao redor. É mostrar que, para uma mulher, também há o direito de cidadã, de ter voz ativa e consciência feminina para lutar por sua posição.

E isso, Erin Brockovich soube fazer. Conquistou não só o seu significado de mundo, mas ajudou que outros universos particulares tivessem o seu espaço próprio e reivindicassem o direito de viver dignamente.

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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