Horrorscópio | Carrie, A Estranha (1976)

 

O filme abre com uma cena que nos remete ao estágio frágil da juventude, ou seja, o ensino médio, o que nos leva implacavelmente ao clímax chocante do filme. Em um vestiário feminino, a câmera acompanha um grupo de garotas adolescentes. As imagens dos corpos jovens e nus são filtradas em câmera lenta, refletindo um erotismo onírico.

Enquanto a câmera passeia pelo local, mostrando as brincadeiras e conversas fúteis, Carrie White está isolada das demais num ritual solitário. A água derrama suavemente sobre seu corpo, preenchendo o quadro que a sexualiza. Até que, inesperadamente, o diretor Brian De Palma inverte a cena de um momento erótico para algo aterrorizante.

O sangue flui entre as pernas, anunciando a primeira menstruação. Confusa, ela captura o vermelho com os dedos e se apavora com o desconhecido. As meninas, que entendem o ocorrido, passam a emitir uma gargalhada revoltante e repleta de escárnio.

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A jovem está acuada, feito um animal. Sem trilha sonora, a tensão cresce até que os gritos da menina destroem a lâmpada do vestiário. “Apedrejada” por absorventes e enrolada no chão, seu corpo sangrando e sua mente se recuperando do terror; este é o primeiro momento de Carrie como mulher e o despertar de sua força maligna.

Baseado no primeiro romance publicado por Stephen King em 1974, o roteiro evita reduzir o texto furioso e pesado a um exercício de filmes de terror superficiais em que inocentes são as vítimas de um monstro central. Em vez disso, a abordagem do diretor considera com grande cuidado o estado emocional de sua protagonista adolescente.

Carrie, A Estranha é uma história de terror em que as mais terríveis reviravoltas não vêm do desconhecido ou alguma abominação fantástica, mas das suspeitas e desprezos pelas mulheres, realizadas através da religião, crueldade social e elementos sobrenaturais que têm uma conexão direta com a metáfora do filme: a destreza feminina, incompreendida e temida. Essa premissa, aliada ao estilo cinematográfico de De Palma, deixa cada sequência emocionante; impregnando o longa com poderosas metáforas visuais.

Carrie White é uma protagonista digna de nossa simpatia, diferente do livro onde a personagem de King beira o desprezível. A esquisitona sardenta, corpo esguio e virginal, sustenta a fragilidade de criança que esconde um comportamento demoníaco em seu íntimo. Através dos grandes olhos de Sissy Spacek (indicada ao Oscar por essa atuação), inocência, angústia e crueldade são transmitidas de forma plena e crível.

 Em casa, Carrie é vitimada por sua fervorosa mãe religiosa, Margaret (Piper Laurie), uma mulher impulsionada pelo medo da sexualidade, exala escuridão maligna e chega aos extremos para reprimir a filha, deixando-a distante de atos libidinosos. A assustadora residência é um cárcere assombrado. Um ambiente denso e fechado, repleto com imagens de santos e pinturas de Jesus Cristo. As cortinas cerradas refletem a luminosidade da rua, mas o tom quente e alaranjado remete a labaredas, como se a casa estivesse cercada pelo fogo do inferno.

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“Primeiro vem o sangue, então vem o pecado.”, anuncia a mãe quando descobre sobre a menstruação, e, temendo a maldição feminina, tranca a filha no armário como punição por se tornar mulher. No interior, Carrie deve acender velas e rezar para uma estátua tortuosa de Cristo, que parece tão punitiva quanto a figura da mãe.

A perturbadora sequência do balde de sangue é a prova concreta sobre do domínio de De Palma para criar partes iguais de antecipação e suspense em direção ao clímax. A vingança telecinética de Carrie cria uma erupção de energia emocional desenfreada e completamente traumatizante; O corpo de Spacek se torna inflexível e seus olhos protagonizam a cena com um controle atormentador. Efeitos de caleidoscópio são usados para sugerir as percepções da jovem e a tela é dividida em close-ups de raiva para expor a carnificina que ela está causando.

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Enquanto isso, o famoso final pegadinha” — o pesadelo de Sue Snell (Amy Irving) ao visitar o túmulo de Carrie com um buquê — abriu caminho para todo um ciclo de filmes de terror no qual nem os personagens sobreviventes se sentem seguros no desfecho. E, na vida real, nenhum baile de formatura chegaria ao seu clímax sem alguns olhares nervosos para o teto.  Como excelência fílmica, Carrie, A Estranha é um exercício pleno de horror, em que o próprio medo da personagem se torna o monstro central da trama.

Nota: ★★★★✰

 

 

Ficha técnica

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Título original: Carrie

Ano: 1976

Direção: Brian De Palma

Roteiro: Lawrence D. Cohen, Stephen King

Elenco: Sissy Spacek, Piper Laurie, Betty Buckley, John Travolta, Nancy Allen

Fotografia: Mario Tosi

Montagem: Paul Hirsch

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Elaine Timm

Elaine é gaúcha, formada em Jornalismo, atua como social media e curte freelas. Blogueira de várzea, arrisca escritas diversas. Cinéfila, amante dos livros, musical e nerd desde criança, quer ser Jedi, mas ainda é Padawan. Save Ferris.

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