Cine Ceará | O Vestido de Myriam; Nova Iorque; A Canção de Alice
Dia 05
O Vestido de Myriam
O filme se inicia no que se parece com um sonho, com Myriam e o marido dançando abraçados, se amando como duas pessoas que já vivenciaram muitas coisas juntos. Só notamos que aquilo não é real quando ela desperta, na realidade, dormindo em uma cama separada do amado.
O contraste dos dois é muito evidente. Ela o trata com carinho, fazendo de tudo para que ele se sinta confortável. Por parte dele, as coisas já são mais duras, sendo bastante rabugento, transparecendo que nada o agrada, como se tivesse arrependido de estar no fim da vida morando naquela casinha do interior.
Essa postura mais dura vai se quebrando aos poucos quando Myriam morre e seu marido —que inteligentemente o roteiro deixa sem nome — lida com aquela situação da pior forma possível. Sem conseguir derramar uma lágrima, o luto o envolve, preparando o enterro da companheira, quebrando sua rotina.
É interessante ver como aquele personagem vai se degradando, percebendo que tudo o que ele tinha se foi; ao vestir o vestido de Myriam, se maquiar e seguir uma rotina personificado como a falecida esposa, é a certeza que os arrependimentos o consumiram.
O curta aborda bem assuntos como luto, arrependimento e mágoas. É do ser humano acabar se sentindo incompleto apenas depois de perder o seu bem maior. Reclamamos e deixamos de aproveitar enquanto podemos, mas, de uma hora para outra, podemos ver aquilo ir embora.
Nova Iorque
A infância é a fase mais importante de nossas vidas, é onde aprendemos, é quando podemos cair. Aqui, nosso protagonista, que é uma criança, tem a ingenuidade aflorada, o que é normal para a idade. Aos poucos, vamos entendendo como é a sua vida no interior, ajudando o pai, indo à escola, brincando sozinho.
O seu relacionamento com a professora é desenvolvido lentamente, deixando o público descobri-lo aos poucos, intensificando a experiencia e atiçando nossa curiosidade. Em uma certa cena, o garoto questiona sobre uma música para a professora, perguntando-a se conhece; ela, firme, diz que “não”, então o garoto a questiona novamente, “mas a senhora não é professora?” — claramente a criança a tem como maior referência na vida.
Quando achamos que sacamos tudo que o curta quer nos passar, ele surpreende e nos traz mais profundidade em seus personagens, os desenvolvendo bem, deixando claro motivos da professora ser tão rígida. Se claramente em diversos momentos notamos que a mesma tem o coração mole, e mesmo ele, por ter tanta carência de um papel materno em sua vida. É uma obra sincera e cheia de afeto, que nos inspira para nunca desistirmos de nossos sonhos.
A Canção de Alice
Ficar preso ao passado é sempre algo complicado. Se não tentarmos nos desprender rapidamente, criaremos raízes que, depois de firmadas, não tem como se separar. Alice tem uma doença difícil de lidar — a obra não deixa claro do que se trata, mas notamos que a personagem prefere não tentar enfrentar essa luta.
Ela se prende em lembranças, sempre falando do passado, de como tudo era e assim vai se conformando que o fim de sua vida está próximo. Mesmo passando os dias olhando antigas fotografias, falando com a filha de como sua antiga casa era maravilhosa, não a vemos reclamar do que já passou; as reclamações vêm apenas uma vez e é exatamente ao pedir para a filha que elas voltem para a antiga moradia.
O curta tem ótimas ideias, a fotografia em preto e branco remete diretamente ao passado em que Alice se prende, mas as atuações são dramáticas demais. Isso faz com que a obra perca força, nos tirando a imersão. Outra coisa que incomoda é o fato de algumas imagens, como o mar, ou a orla de Fortaleza ficarem em tela tentando transmitir algo profundo, mas acaba sendo um artifício vazio e sem nenhum sentido narrativo.