Cine Ceará | Só Por Hoje; Capitais; A Escolha de Isaac; Diamantino

 

Dia 07

Só Por Hoje

Um dos temas favoritos de quem faz curta-metragem é a “solidão” e aqui temos mais uma vez esse assunto é abordado. Obviamente, isso não é um defeito, mas quando mal abordado, pode dar a sensação de tempo perdido.

Nossa protagonista é uma pessoa sozinha, recebendo visitas da filha vez ou outra e só. Notamos que ela sempre está com as mesmas roupas, não ligando muito para a aparência, não cuidando de seu apartamento, deixando um vazamento por vários dias em seu banheiro. Tudo isso, deixa claro que ela é uma pessoa que é praticamente isolada da realidade.

Infelizmente, o roteiro não explora isso o suficiente, muda a vibe da protagonista que se acha no meio de uma reunião do AA, transforma a personagem de uma forma não orgânica, soando tudo muito artificial. Isso é meio decepcionante, já que dá para ver um potencial enorme de desenvolvimento de personagem.

Capitais

A primeira coisa que impressiona aqui é o jogo de câmera e como os idealizadores mesclam isso com um trabalho de foco para ajudar a transparecer a personalidade da protagonista. Todos os elementos técnicos são muito bem impostos: o som potencializa o drama e a curiosidade; a iluminação amplia nossa atenção, utilizando um azul quase místico para criar este clima.

O filme tem apenas 11 minutos. Em uma obra tão curta, é preciso um pouco mais de foco e não utilizar cenas desnecessárias — como ocorre na cena em que tem uma reunião de condomínio, não soando relevante para a trama. Esse tipo de cena poderia ter sido retirado que não sentiríamos falta.

Em termos de linguagem, é interessante acompanhar o momento onírico da obra, abordando a insegurança e a solidão da protagonista, para o ocorrido com sua vizinha. Essa cena em especifico me tirou um breve arrepio — isso é o resultado da ótima parte técnica se mesclando bem ao roteiro. Quando esses dois têm um perfeito equilíbrio, é quase impossível sair algo ruim.

Infelizmente, em alguns momentos o roteiro oscila, fazendo com que a obra não atinja seu potencial; mas ainda é um bom filme, que explora a solidão e como nossas vidas se entrelaçam com outras, somando aprendizado e crescimento pessoal, mesmo após uma tragédia.

A Escolha de Isaac

Esse, com certeza, é o pior filme que vi durante o festival. Não existe nada aqui realmente relevante para a sétima arte. Ou até tenha uma importância — a de como não fazer cinema. O argumento é bobo: um homem que sofre de uma doença que o faz perder quase todo o movimento de seu corpo volta para casa e se monstra um tirano.

O filme traz uma alegoria ridícula a Napoleão, nos tirando do clima que já não é interessante e colocando um dos personagens para expor frases da Bíblia e trechos da história do conquistador francês.

As atuações são tão vergonhosas que arrancaram algumas risadas do público (pelo menos a minha risada foi de vergonha alheia). A péssima musica nos distancia ainda mais da obra e, em sua cena final, o filme encerra da maneira mais patética possível. Pela segunda vez no festival, fiquei com vontade de deixar a sala.

Diamantino

O novo cinema português vem surpreendendo com obras que fogem do padrão e se arriscam em um caminho que os cineastas têm receio de seguir. E Diamantino surpreende ao desafiar seu público em uma viagem incrível, que nos ajuda a abrir a mente para novos horizontes e descarta uma fórmula padrão.

Para quem está por dentro do que acontece com os lusitanos nos últimos anos, este filme é um deleite para quem gosta de críticas sociais e para quem curte obras que não têm medo de expor a verdade. Desde o nosso protagonista, que representa o jogador de futebol totalmente estereotipado, desde a caracterização, com cabelo, acessórios e roupas. A atuação de Carloto Cotta dá o ponto certo ao personagem, mesclando uma pequena dramaticidade com um estereótipo extremamente divertido.

O fato de o filme não se levar a sério é um dos maiores acertos do roteiro; ao mesmo tempo em que ele se ridiculariza, acaba expondo problemas importantes de Portugal nos últimos anos. Os refugiados que chegam na costa portuguesa, a economia, ideologias, tudo é claramente criticado da forma mais ridícula que elas merecem. O conservadorismo se torna uma piada tão boa durante o filme, que me arrancou risadas realmente incontroláveis.

Toda a trama megalomaníaca criada como um plano de fundo também funciona, aí já explorando o caminho que disse acima. Mesmo com o roteiro facilitando certas situações, o filme funciona muito bem e segue um ritmo agradável. Sem quase deixar a peteca cair, a obra segue como mais uma que enriquece o cinema lusitano, criando um método novo de fazer a sétima arte e encerrando o 28° Cine Ceará em alto nível.

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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