Sci-Fi | Distrito 9
A ficção científica é um gênero muito cultuado, tanto na literatura como no cinema, por conseguir tratar de temas relevantes e complexos que ultrapassam a simples superfície, nos fazendo imaginar as possibilidades desde o começo do século 20.
Assim sendo, é difícil ver algo minimamente original dentro desse contexto pelo fato de o gênero já ter sido explorado em vários escopos e perspectivas. Entretanto, em 2009, Peter Jackson confia e produz um filme chamado Distrito 9, com o orçamento de apenas 30 milhões de dólares — algo quase impensável para o conteúdo do filme que conseguiu ser indicado a 4 categorias no Oscar, incluindo a de melhor filme.
A trama se passa na industrial Joanesburgo, onde uma imensa nave está flutuando em céu aberto por 20 anos. Os seres contidos nela (pejorativamente chamados de “camarões”) são postos num distrito precário que mais se assemelha a uma favela, onde sofrem constantes atos de violência, preconceito e segregação.
Com isso, o design de produção se distancia do típico visual simétrico e clean para escolher, de modo coerente, um aspecto mais sujo; e, por justamente se passar na África do Sul, o paralelo entre a situação inserida e o apartheid se demonstra inevitável, uma vez que a intolerância pelo diverso é o ponto de partida para o desenrolar da narrativa.
A câmera quase sempre em mãos de Neill Blomkamp (sul-africano e que também contribui no processo de roteiro do filme) e o estilo que emula documentários e reportagens jornalísticas imprimem uma sensação crua e de urgência para tudo que presenciamos na tela, possuindo até imagens de câmera de segurança que parecem vigiar e perseguir o protagonista.
A equipe responsável pelos efeitos visuais (a competente Weta Workshop) ajuda a intensificar esse viés por serem imersivos, orgânicos e justificáveis — não excedendo em suas pretensões que poderiam mais se parecer com filmes megalomaníacos de ação à lá Transformers com cenas desenfreadas, nas quais a lógica da mise-en-scène é confusa e repetitiva. Aqui, tudo é realizado com cuidado, esmero e com noção dos desdobramentos que a diegese pode gerar.
Nesse sentido, a composição visual das criaturas extraterrestres é um primor: sempre em completa sintonia com o cenário, suas características não são tão grotescas ou repugnantes. O uso inteligente do close up nas faces dos mesmos evidencia seus olhos repletos de medo e pavor (o que, obviamente, os humaniza e faz com que o espectador sinta empatia), além de possuírem uma estranha forma de linguagem que, apesar de ser extremamente rústica, nunca passa a sensação iminente de perigo.
Contudo, mesmo com essas qualidades no aspecto imagético, Distrito 9 ainda conta com um eficiente trabalho em cima de seu personagem principal. Vivido pelo estreante Sharlto Copley (amigo de longa data do diretor), Wikus é um funcionário da MNU designado para deslocar esses seres do distrito para outro local que mais se assemelha a um campo de concentração com a clara intenção de lucro financeiro.
Inicialmente frágil e não impondo nenhum senso de autoridade aos companheiros de trabalho, sua jornada (e transformação) é muito mais que física; ela também é interna, principalmente pelo fato de arriscar sua vida em explosões e tiroteios — e o mais poético é que, mesmo com certo interesse envolvido, coloca em risco sua vida por outra que nem nasceu neste planeta.
Difícil discordar das pessoas que alegam que o roteiro peca por algumas facilidades para o avanço da trama (como, por exemplo, o protagonista junto com a criatura invade o prédio da empresa com uma facilidade absurda para retirar determinado objeto), mas nada disso tira a brilhante estreia de um artista que entende o conceito e finalidade da ficção científica, explorando tudo em detrimento do engajamento social, como também encerra sua obra de maneira melancólica ao ponto de negar um final feliz propriamente dito.
Somos seres racionais que, por muitas vezes, não enxergamos e compreendemos nem a nós mesmos. Não é necessário colocar “num futuro distante” ou algo semelhante na tela para absorvemos, através do extraordinário ou sobrenatural, que somos prisioneiros de uma natureza (auto)destrutiva gigantesca, mas que, por algum motivo desconhecido, ainda acreditamos num futuro melhor e de grandes esperanças.
O final é a prova viva disso.
Nota: ★★★★✰
Ficha técnica
Título original: District 9
Ano: 2009
Direção: Neill Blomkcamp
Roteiro: Neill Blomkcamp e Terri Tatchell
Elenco: Sharlto Copley, Nathalie Boltt, John Sumner, Nick Blake, Jed Brophy, Jason Cope, Eugene Khumbanyima,
Fotografia: Trent Opaloch
Montagem: Julian Clarke