Bang Bang | No Tempo das Diligências
John Ford já demonstrou diversas vezes que era uma cineasta à frente de seu tempo, aqui ele dá o principal salto para ser reconhecido mundialmente com os seus westerns, em sua primeira parceria com John Wayne. Hoje, sabemos que foi uma das parcerias mais ricas do cinema norte-americano.
O roteiro é de Dudley Nichols e Ben Hecht, uma adaptação de “The Stage to Lordsburg“, um conto de Ernest Haycox, que tem o plot simples: uma diligência sai de Tonto, no Arizona, e tem que chegar até o Novo México, que é um território Apache. Cada um dos personagens que vão nesta viagem é bem apresentado; mesmo com cenas rápidas, já se entende um pouco sobre cada um, sem precisar que seja dita uma palavra.
Esse fator econômico do roteiro de poucas palavras é um ponto positivo, já que isso dá ao público a oportunidade de estudar cada personagem de acordo com suas ações. Os olhares, a forma como levam suas bagagens, o modo de se expressar, cada detalhe conta e nenhum deles fica para trás quando se trata de ser desenvolvido. Ford, com todo cuidado, traça caminhos entre eles e, sem nenhuma pressa, vamos absorvendo e tirando conclusões diferentes de cada um durante os 96 minutos do longa.
Isso não significa que o filme tem um ritmo lento, longe disso. A montagem ajuda a trama a se movimentar de forma bem envolvente; mesmo nas cenas em que todos estão em uma pousada, os diálogos se sobressaem, e nos pegamos totalmente imergidos com cada palavra dita. São nesses momentos que acabamos entendendo a riqueza do roteiro.
O carisma dos atores ajuda bastante nessa imersão, principalmente quando falamos de John Wayne, já que aqui ele ainda não era um ator completo. Mas basta a sua presença que nossa atenção é absorvida. Logo em sua primeira aparição, Ford opta por um zoom bem no rosto de Ringo Kid, já deixando claro que este personagem será importantíssimo para a trama.
A relação entre Ringo e Dallas (Claire Trevor) é desenvolvida de forma sutil, com olhares discretos por parte dela, e olhares mais intensos por parte dele. Poucas palavras são ditas — como dito acima, aqui os detalhes são os que mais contam — e muitos gestos são explorados para entendermos aquela atração. É algo tão cuidadosamente trabalhado que, quando chega mais à frente, torcemos para um beijo selar a paixão dos dois, o que não é mostrado, mas é mais uma jogada do diretor para fazer o público utilizar a imaginação.
O roteiro também aborda a segregação social de forma brilhante. Começando com Kid, que é o cowboy bandido, mas que foge totalmente dos estereótipos ao ser gentil com as mulheres e não tentando fugir quando está sem as correntes. Ford também explora isso com Dallas e Dr. Boone; ela, por ser prostituta, sempre é destratada, quando evitam falar com ela ou simplesmente esquecem que está ali. Já Boone é o médico que tem problemas com bebida, que no começo do longa serve até mesmo para trazer um tom mais cômico, mas também é destratado, quando julgam as suas habilidades pela sua condição. É incrível ver como o roteiro subverte isso, sem soar forçado, simplesmente com pequenas situações bem desenvolvidas.
Uma das coisas que mais me chamaram a atenção foi o figurino. Walter Plunkett tem o cuidado de não ignorar que aqueles personagens estão em uma dura viagem e, com o tempo, vemos o reflexo disso em suas roupas. Sendo cobertas de poeira, explorando a degradação dos tecidos com o tempo. Tudo isso traz mais naturalidade e, mesmo sendo um filme com um ritmo ágil, entendemos que diversos dias se passaram.
A música tem um papel importante. Junto com a montagem, ajuda a dar o ritmo necessário em cada cena. Quando a diligência está na estrada, a trilha é agitada, empolgando o público com aquela viagem. Em outros momentos, ela é mais solene, trazendo a atenção do público aos diálogos, ou até mesmo aos detalhes da cena. Tudo pensado minunciosamente para que cada frame extraia algo do público e que nenhum soe como desnecessário.
No Tempo das Diligências ainda nos guarda o ápice do brilhantismo do diretor. Durante a maravilhosa sequência em que os Apaches perseguem a diligência, temos uma aula de câmera. Ford sabe exatamente como fazer tudo parecer mais empolgante. Colocando a câmera no chão, enquanto os cavalos passam como raios por ela, revezando entre a batalha dentro e fora da diligência. Sem utilizar cortes rápidos, entendemos tudo o que acontece em cena.
No fim, entendemos que John Ford não queria só nos mostrar mais uma história de cowboy como centenas de outros filmes vinham fazendo. Ele queria falar de pessoas, de como elas e seus preconceitos se mantém em situações de convivência com aqueles que abominam. E a partir desta obra, o diretor americano iniciou uma “renovação” do gênero, levando não só ele, mas também o western a um novo patamar.
Nota: ★★★★★
Ficha Técnica
Direção: John Ford
Roteiro: Dudley Nichols, Ben Hecht
Elenco: Claire Trevor, John Wayne, Andy Devine, John Carradine, Thomas Mitchell, Louise Platt, George Bancroft, Donald Meek, Berton Churchill, Tim Holt, Tom Tyler
Fotografia: Bert Glennon
Trilha Sonora: Gerard Carbonara
Montagem: Otho Lovering, Dorothy Spencer, Walter Reynolds
Direção de Arte: Alexander Toluboff