Poltrona Pipoca | Meu Ex É Um Espião
Os filmes que misturam ação e comédia costumam ser um prato cheio para atores mostrarem suas habilidades físicas e a capacidade de fazer rir. Nos últimos tempos, tivemos boas surpresas do gênero, como Kingsman: Serviço Secreto (e sua sequência, Kingsman: O Círculo Dourado), além de Jumaji: Bem-Vindo à Selva. Como se pode ver a partir desses exemplos, são filmes que, apesar de uma presença feminina aqui e ali, exalam testosterona.
Meu Ex É Um Espião pode até seguir uma certa fórmula do gênero. Porém, assim como em Oito Mulheres e Um Segredo, o filme de Susanna Fogel tem personagens femininas segurando uma narrativa que tipicamente seria protagonizada por homens.
O longa conta a história de Audrey (Mila Kunis), uma mulher frustrada com sua inabilidade de nunca terminar nada do que começa, e sua amiga, a espevitada e espontânea Morgan (Kate McKinnon). Audrey acaba de ver o fim de seu relacionamento com Drew (Justin Theroux) e, como se já não estivesse suficientemente estarrecida com o fato de ter sido dispensada via mensagem de texto, descobre que ele é um agente secreto. É assim que as duas amigas se veem em meio a uma trama de máfia e espionagem internacional.
A ótima química entre Kunis e McKinnon garante a dinamicidade dos diálogos. O roteiro de Fogel e David Iserson traz um humor que se assemelha no tom aos divertidos A Noite do Jogo e, principalmente, A Noite É Delas, com tiradas rápidas e sem rodeios. Apesar da utilização de alguns estereótipos em personagens e até na figuração, boa parte deles parece estar ali de forma irônica, no intuito de mexer com as concepções do próprio espectador.
O prisma feminista até poderia ser mais explorado, mas mora em detalhes de protagonistas sem papas nas línguas, confortáveis com sua sexualidade e que conseguem sair de enrascadas sem nem sempre precisar de ajuda — ainda que de um jeito atrapalhado. Os realizadores resolvem não fazer disso um discurso, deixando que tudo corra com naturalidade. No entanto, momentos como o de Audrey tendo que dar explicações a mil pessoas sobre o término de seu relacionamento (em sua própria festa de aniversário) e uma cena da mesma personagem, já próximo do desfecho, nos lembram como as mulheres são sempre mais cobradas e subjugadas pela sociedade.
A ótima introdução (bem realizada tanto técnica quando narrativamente) sofre uma mudança um pouco brusca demais de ritmo quando a protagonista encontra seu ex. É o desenvolvimento apressado dessa cena que deixa o gosto amargo de que a premissa do filme pode ser meio problemática. Para nossa sorte, o desenvolvimento tem potencial — que não é 100% atingido, mas, ainda assim, é satisfatório.
A missão de Audrey e Morgan é entregar um “pacote”, mantendo-o longe de mãos erradas. Mas, quem seriam as mãos erradas? Absolutamente todos os personagens apresentam características e comportamentos dúbios, incluindo os agentes Sebastian (Sam Heughan) e seu parceiro Duffer (Hasan Minhaj).
O filme não deixa de ser um road movie. Além de Los Angeles, a história se desenrola por diversas cidades europeias, embora os locais poderiam ter uma participação mais efetiva além de meras paisagens. Mas sãos algumas particularidades locais que servem de estopim para parte do humor.
O outro grande gatilho de comédia são as situações em que as moças não sabem o que fazer. A naturalidade e simplicidade desse jeito atrapalhado de lidar com as circunstâncias rendem alguma dose de identificação para o público. O filme utiliza, inclusive, referências a cenas típicas de ação para fazer piada de si mesmo; o fato de não se levar tão a sério, mas também não virar uma grande galhofa, merece créditos.
Talvez um dos grandes trunfos de Meu Ex É Um Espião sejam as cenas de ação, que foram realizadas com visível cuidado para ter uma estética envolvente. Fogel vai bem na direção e, junto com Barry Peterson, trabalha planos que se preocupam em criar a atmosfera certa para cada sequência. Aliás, o único problema técnico mais grave do longa está no uso de alguns flashbacks que parecem não ter muita serventia e, quando sua função é finalmente revelada, não é suficiente para justificá-los.
Em termos de atuação, Mila Kunis não tem muito o que fazer com sua personagem quando está sem Kate McKinnon em cena. Sua Audrey teria até maior potencial se fosse mais bem escrita, de forma a explorar seu lado emocional de um jeito um pouco mais amplo. Já McKinnon, pelo contrário, está ótima em cena; por ter um papel mais solto e ser a maior responsável pelo tom cômico do filme, consegue desenvolver bem mesmo longe da parceira. Os outros destaques vão para Ivanna Sakhno como a assassina de olhar gélido, Nadedja; e para Heughan, como o misterioso Sebastian, que forma uma dupla interessante em cena com Minhaj.
Embora o departamento romance deixe a desejar justamente pelos problemas na construção da personagem de Kunis, Meu Ex É Um Espião cumpre seu papel mais importante: divertir. Uma boa pedida para uma tarde/noite de filmes leve e descompromissada.
Nota: ★★★☆☆
Ficha Técnica:
Meu Ex É Um Espião (The Spy Who Dumped Me)
Ano: 2018
Direção: Susanna Fogel
Roteiro: Susanna Fogel e David Iserson
Elenco: Mila Kunis, Kate McKinnon, Justin Theroux, Sam Heughan, Gillian Anderson, Hasan Minhaj e Ivana Sakhno
Fotografia: Barry Peterson
Montagem: Jonathan Schwartz