Clube Cartoon | Princesa Mononoke

 

O foco da indústria e do público, inegavelmente, em relação às animações, sempre foram aquelas dos estúdios Disney e da Pixar — que no futuro seria comprada pelo primeiro. Contudo, o pequeno estúdio japonês Ghibli e Hayao Miyazaki (cofundador e artista) ganharam a atenção do mundo com o imenso apreço visual e a maturidade temática de suas obras.

Princesa Mononoke retrata uma época feudal nipônica, no qual o viés pessimista se dá pelo conflito entre homens e os animais (muitos deles gigantes e possuídos por deuses e demônios que querem salvar o espírito da floresta), principalmente pela ganância e crueldade da própria raça humana em destruir a harmonia e pacificidade dessa relação.

Os traços desenhados de forma tradicional são lindamente detalhados, não escondem a violência gráfica e o grotesco das situações (cabeças e braços são cortados a todo momento) e entram em total concordância com a riqueza fantasiosa da concepção da premissa que tem como alicerce a mensagem ecológica — o estúdio, há mais de 10 anos antes, já tinha feito Nausicaä do Vale do Vento que tem tema semelhante — e como esta é prejudicada em detrimento da selvagem industrialização.

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Mesmo com mais de duas horas de duração, a narrativa equilibra o contemplativo com um tom de aventura (e Miyazi compõe suas cenas de ação — algo raro em sua carreira — de dar inveja a muitos diretores de Hollywood), tendo como consequência direta uma experiência mais dinâmica e sem parecer pejorativamente pretensioso. Com isso em vista, nos deparamos com uma mise-en-scène irretocável por saber colocar em tela algo coerente no aspecto geográfico, como também por criar quadros que captam a essência do que está sendo contado.

O fato de raramente possuir alívio cômico (elemento bastante comum em animações e em filmes asiáticos em geral) evidencia a seriedade com que o diretor lida com o roteiro escrito por ele mesmo; sendo reforçada por uma trilha sonora (composta por Joe Hisaishi) que consegue pontuar as cenas por meio do empolgante — mas também com o poético e melancólico —, incluindo aí a bela música-tema, provando sua abrangência com as múltiplas gamas sentimentais.

Como é de se esperar do estúdio Ghibli, apesar do tempo em que relata sua história, as mulheres não são frágeis em nenhum aspecto; pelo contrário, o que poderia ser uma oportunidade válida para retratar a submissão das mesmas na época inserida, o que visualizamos é uma protagonista forte e tantas outras personagens femininas determinadas e empenhadas pelo o que defendem, além de deterem força para controlarem seu próprio destino — mesmo que uma em particular represente o lado negativo e maléfico que a obra tanto despreza e tenta combater ideologicamente.

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Porém, não há espaços para caricaturas e personagens para inchar a trama. Nada é definitivo em relação ao caráter daqueles indivíduos inseridos num mundo de guerra e causalidades. A catarse é parte do ser humano e o que se pode examinar em função disso são nossas percepções do certo e errado. A própria “vilã” e outros personagens conseguem compreender o peso e consequência de seus atos; ou seja, a autoanálise serve, no fim, como uma bússola para definir novos objetivos que não entrem em colisão com o âmago benevolente da natureza.

Como se não bastasse, é inteligente a escolha de trajar aqueles humanos que querem destruir o espírito floresta e os animais contidos nela com cores escuras (o azul escuro da vestimenta que cobre a líder do vilarejo, por exemplo, reforça esse conceito) e cores claras para a heroína (se estendendo da mesma maneira ao lobo Moro com seus pelos brancos) para simbolizar sua intrínseca bondade e vontade de salvar o meio ambiente. Em contrapartida, sua máscara vermelha pode servir como alusão à intensa paixão que defende no que acredita, mas também à violência que está decidida em aplicar para proteger a causa.

É curioso observar que, ainda que o título seja Princesa Mononoke, a menina-protagonista seja aprofundada apenas no segundo ato, conseguindo trabalhar esse caráter misterioso (como dito antes, ela é vista, em certas cenas, com uma máscara vermelha rústica) com competência. Se ela, por um lado, tem suas intenções expostas de forma cristalina desde o início, o grande dilema reside no príncipe Ashitaka em ser a voz mediadora para que a conciliação entre humanos e animais seja efetivada.

Se encerrando de modo positivo, no que se refere ao seu tema com a imagem de plantas num solo fértil sob a luz solar, o filme (que nem O Castelo de Cagliostro e outros do estúdio japonês) de 1997 é feliz em não concretizar o arco amoroso dos dois personagens principais — este é apenas flertado, uma vez que os responsáveis estão mais preocupados em desenvolver seus personagens através de situações que explorem as nossas relações e desdobramentos com a natureza.

Porque todos nós sabemos (ou deveríamos saber) que essa mesma natureza não pode ser vista como adversária; e mesmo que fosse, a longo prazo, não há qualquer chance contra ela.

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Nota: ★★★★★

 

 

Ficha técnica

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Título Original: Mononoke-hime

Ano: 1997

Direção: Hayao Miyazaki

Roteiro: Hayao Miyazaki

Montagem: Hayao Miyazaki e Takeshi Seyama

Fotografia: Atsushi Okui

Trilha Sonora: Joe Hisaishi

 

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Jonatas Rueda

Capixaba, formado em Direito e cinéfilo desde pequeno. Ama literatura e apenas vê séries quando acha que vale muito a pena. Além do cinema, também é movido à música, sendo que em suas playlists nunca podem faltar The Beatles, Bob Dylan, Eric Clapton e Led Zeppelin.

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