Brazuca | Barravento

 

Em seu primeiro longa, Glauber Rocha já demonstrou ser bastante maduro para contar uma história poderosa sem parecer pretensioso. Aqui, temos o equilíbrio perfeito entre a simplicidade e exagero, mas mantendo tudo em uma linha que nos faz crer no que acompanhamos.

A história acompanha um negro educado chamado Firmino (Antônio Pitanga), que volta à aldeia de pescadores em que foi criado para tentar livrar o povo do domínio da religião e crenças antigas. No primeiro contato com o personagem, entendemos que ele está deslocado; enquanto todos vestem roupas escuras, Firmino está totalmente de branco, com uma roupa fina, esbanjando carisma e malandragem. O plano aberto em sua primeira aparição dá a entender o quanto ele está deslocado no local, deixa-o quase isolado.

A sonoridade do filme é toda diegética, ou é o som do mar e vento, mostrando a força da natureza; com instrumentos de percussão e cantorias dos próprios moradores da aldeia, ligados diretamente à cultura africana.

A descendência do povo diretamente dos africanos é explorada de forma bem efetiva, principalmente nas sequências que rituais de candomblé são mostrados quase de modo onírico. A única personagem branca do filme é Naína (Lucy de Carvalho) que, segundo seu pai, é filha de iemanjá; e é exatamente com ela que acontecem os rituais mais fascinantes, quase como processo de livra-la da possessão de qualquer mal.

Rocha faz cada coisa de forma tão perfeita que a imersão nos faz duvidar se todas as crenças, e contos que os moradores da aldeia contam, são verdades ou não. Ficamos esperando algo extraordinário acontecer. Essa dúvida ajuda e muito a nos conectar naquele mundo que distingue tanto das vidas das pessoas que vivem na cidade.

A prova que o diretor nos deixou praticamente dentro do filme é durante uma sequência onde acontece uma tempestade. Os sons diegéticos que já vinham sendo trabalhados em todo filme se ampliam: a chuva, o mar em fúria, os coqueiros balançando; tudo isso, durante alguns minutos e sem nenhum diálogo. Rocha explora a natureza assim como todo homem, mas aqui é para nos mostrar o quanto devemos respeitá-la e o quanto aquele povo a respeita.

Firmino que chegou na aldeia, após alguns anos vivendo na cidade grande, se libertou da alienação que as crenças antigas traziam; vendo o mundo como ele realmente é e não se prendendo na miséria que seu povo vive. Notamos que ele sempre está deslocado, principalmente através de suas vestes e do modo de falar. Porém, ele sempre contesta a falta de vontade de viver daquele povo, que se limita a apenas sobreviver, tentando persuadi-los a lutar pelos seus direitos.

Nesse ponto, Glauber Rocha faz uma ligação direta da situação dos pescadores com a sociedade daquela época, que já sofria pela repressão do governo e as pessoas começavam a ter que lutar pelos seus direitos. Firmino, como viveu bastante tempo na cidade grande, estava ciente de tudo, já os moradores da aldeia não faziam ideia do que acontecia, pois fica claro que vivem em um mundo à parte.

No final, após a morte de um dos pescadores da vila, Aruã (Aldo Teixeira), que é considerado quase um messias para a aldeia, começa a se desiludir daquilo tudo, uma influência direta de Firmino. Entretanto, o mais incrível é a bela metáfora na luta entre os dois no final. Como tudo no filme, Glauber Rocha transforma em uma grande alegoria sobre a cultura africana: Firmino e Aruã entram em uma luta que, rapidamente, se transforma em uma batalha de capoeira. O protagonista começa a se despir de suas vestes finas que o diferenciam de todos e completa sua transformação ficando apenas com a calça e, ao vencer Aruã, completa de vez seu objetivo e quebra a fé de seu adversário.

É uma metáfora muito linda sobre como aquele povo sofre e precisa lutar muito para se libertar de certas correntes. Deixar de lado um pouco da sua fé para poder acompanhar o avanço social. Barravento é uma obra-prima de um cineasta que estava à frente de seu tempo.

Nota: ★★★★★

 

Ficha técnica

Ano: 1962

Direção: Glauber Rocha

Roteiro: Luiz Paulino Dos Santos, Glauber Rocha, Jose Teles

Elenco: Antonio Pitanga, Luiza Maranhão, Lucy de Carvalho, Aldo Teixeira, Lidio Silva

Fotografia: Tony Rabatoni

Música: Canjiquinha

Montagem: Nelson Pereira dos Santos

Figurino: Lúcia Rocha

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Ítalo Passos

Cearense, estudante de marketing digital e crítico de cinema. Apaixonado por cinema oriental, Tolkien e ficção científica. Um samurai de Akira Kurosawa que venera o Kubrick. E eu não estou aqui pra contrariar o The Rock.

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One thought on “Brazuca | Barravento

  • 1 de julho de 2022 at 19:28
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    Torquato Neto, segundo dizem, teria sido assistente de GR nesse filme?

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