Persona | Mathilda (O Profissional)
As aspirações de Mathilda não são comuns a uma criança da sua idade, mas ela carrega motivações comoventes. Após um evento trágico, a precoce garota decide que quer ser uma assassina profissional para vingar a morte de seu irmão caçula. Essa personagem marca a estreia de Natalie Portman como atriz. Uma pequena Nikita em busca de justiça e obstinada a criar raízes junto ao seu parceiro Léon (Jean Reno).
A vida é dura só quando se é criança?
Alguém disse uma vez que a falta de atenção torna uma pessoa má, mas nem sempre o sentimento gerado pela rejeição esteja ligado à maldade. As intenções de Mathilda estão atreladas ao ímpeto de vingança, mas seu maior peso emocional está no desencanto com os acontecimentos da vida. A ânsia por querer sair atirando em alguns caras, nada mais é que uma forma de desabafo com uma pitada de aventura. É uma criança com um estilingue na mira de um pássaro.
“Cool”, ela diz ao cara que salvou sua vida quando ele fala sobre sua profissão. Léon fica surpreso quando percebe a perspicácia materializada naquele ser de doze anos. A ligação é imediata. Dois perdidos numa noite suja que se encontram. “Thelma e Louise, Bonnie e Clyde, trabalhavam juntos e eram bons!”. Aventura. Uma criança criada na frente da televisão que encontra a oportunidade de “brincar” de polícia e ladrão.
O improvável convívio desperta na criança uma paixão platônica por seu parceiro. Ela o vê como o protetor que nunca teve; a primeira pessoa na vida que se importa com ela e com seus sentimentos. Natural reação de uma pré-adolescente antes rejeitada.
Essa relação entre Léon e Mathilda é, ao mesmo tempo, de pai e filha; professor e aprendiz; pária e marginal, mas também há sutilezas de sensualidade que não estão explícitas. O que se vê na personagem, que é o tema central dessa análise, é uma menina que conviveu por muito tempo com o obsceno, por consequência do convívio familiar num ambiente vulgar e problemático. Quando passa a conviver com o novo amigo, ela nutre um sentimento de gratidão, que logo confunde com amor, ou algo próximo a isso.
Já tive dias melhores
Uma persona infantil e complexa, que precisou amadurecer mais cedo que o normal para suportar uma vida complicada. Quantas crianças suportariam esse papel, sem que transformassem a personagem numa caricatura? Natalie Portman tinha apenas onze anos quando foi escalada para o filme, e o que se vê na tela é uma atuação precisa de alguém que sabe muito bem com o que está lidando, sem parecer artificial. Sua atuação é muito crível, diante do cenário em que vive. O exemplo perfeito da inocência corrompida.
Mathilda é, igualmente, o drama e a leveza que o filme necessita. A relação dela com Léon é o ponto de equilíbrio que agrada o estilo do diretor Luc Besson. As tiradas e cenas mais cômicas saem dos diálogos dela com o rude solteirão. Quem mais poderia encorajar um homem embrutecido a imitar um porquinho com uma delicada luva de cozinha? Ninguém além da pequena justiceira que desarma até o mais hábil dos atiradores. “Que nome bonitinho”.