Bang Bang | O Vingador Silencioso

O cinema italiano sempre foi referência e de lá surgiram muitos subgêneros que tiveram começo, ascensão e queda. Assim como o giallo, que era semelhante aos slashers americanos, surgiu também o western spaghetti, uma resposta “macarrônica” ao faroeste ianque, popularizado por Sergio Leone e muitos cineastas italianos, como Sergio Corbucci. Conhecido por ter dirigido Django em 1966, além de diversos outros faroestes, dois anos depois dirigiria uma obra seminal e que merecia maior reconhecimento: trata-se de O Vingador Silencioso.

O diretor, que foi influência direta à Quentin Tarantino, construiu um western em uma paisagem gélida, repleta de neve, diferente dos áridos ambientes conhecidos na América e na maioria dos filmes desse estilo. Por falar em Tarantino, Django Livre obviamente é uma homenagem à Corbucci, assim como Os Oito Odiados que também se passa em paisagem de nevascas, além da trilha sonora composta por Ennio Morricone. O compositor também fizera a trilha de O Vingador Silencioso. Mais um motivo para conhecer essa maravilhosa obra “corbucciana”.

Outro diferencial é que o protagonista é um misterioso homem mudo, chamado simplesmente de Silêncio. Interpretado por Jean-Louis Trintignant, o anti-heroi sofrera traumas e é um empecilho aos diversos bounty hunters que têm o azar de cruzar em seu caminho. Exímio atirador, Silêncio, além de efetuar diversos disparos rapidamente, ainda inutiliza os atiradores ao acertar os dedos, principalmente os polegares, para que nunca tentem atirar novamente. Essa marca característica põe medo e transforma o protagonista numa lenda.

Na inóspita região de Snow Hill, um magistrado corrupto toma conta do lugar: Henry Pollicut (Luigi Pistilli) que coloca as cabeças a prêmio naquela localidade. O abobalhado, mas de bom coração, xerife Gideon Burnett (Frank Wolff), é recém-chegado a Snow Hill e totalmente contra essa política de mercenários de recompensas. Alguns bandidos foragidos estão exilados nas entradas da cidade e assaltam quem passa por aquela terra de ninguém, principalmente à procura de alimentos e mantimentos para sobreviver ao frio e à fome. Aproveitando esse período violento e sem esperanças, o temido Tigrero aparece (interpretado pelo icônico Klaus Kinski). Após ele assassinar um bandido procurado pela justiça, casado com Pauline (Vonetta McGee), a viúva procura Silêncio para se vingar.

A trama é simples, repleta de malfeitores como todo bom western, mas cativa o espectador ao conhecermos um pouco da história por trás do homem mudo: o evento trágico que roubara sua voz e o fez crescer ávido por vingança. Trintignant, um galã e renomado ator francês, não sabia uma palavra em inglês — curiosidade fez com que Corbucci escolhesse o ator e o transformasse em um mudo. Uma atuação que marca especialmente nos olhares e silêncio, principalmente no desfecho.

O sempre complicado clima frio favorece as imagens e o filme tem belíssimos takes, uma fotografia estupenda. A trilha sonora de Morricone é magnífica, com destaque para a música-tema e a canção que embala o final corajoso e a excelente cena de amor que ocorre em determinado momento. Palavras afogadas, um desejo carnal mudo, mas muito bem filmada e acompanhada por uma canção estupenda.

Com roteiro escrito a “quatro mãos” por Sergio Corbucci, Vittoriano Petrilli, Mario Amendola e o irmão do diretor, Bruno Corbucci, é um longa que enfatiza que a lei é apenas escrita, o que vale é a lei do mais forte. Além das ações humanas, a natureza contribui para o clima de miséria, fome e desolação. Não há trabalhos, a não ser os de mercenários ávidos por recompensas. Em contrapartida, há o homem da lei, seja o corrupto ou aquele que ainda tenta fazer a diferença. Corpos são levados como provas, a fim de que o assassino mostre ao xerife e receba, assim, o devido pagamento. Para não apodrecerem, são mantidos enterrados na neve.

Esse clima de violência e desespero é filmado com esmero por Corbucci, que focaliza os buracos de bala nos corpos e um sangue “vermelho tinta” surge através deles. É um faroeste violento a exemplo dos filmes do Sam Peckinpah. Além disso, o diretor ainda mostra leves comportamentos daquela época em relação ao racismo. A viúva Pauline é tratada como “aquela negra”. Outro personagem fala que é injusto que homens negros valham mais que brancos e outro diz que “ela deveria voltar para a África”. São poucos os momentos, mas demonstram o grande racismo que existia na época e que ainda perdura na América e mundo afora.

O título original — “O Grande Silêncio” — é um nome mais eficaz e simbólico ao ambiente desesperançoso que se passa a trama. A falta de voz da lei, da política e do próprio protagonista em meio àquele branco que tudo consome. Apenas a música de Morricone reverbera no gelo e nas matanças que iremos assistir. O restante é enterrado no gelo e silenciado.

Nota: ★★★★★

 

Ficha Técnica

O Vingador Silencioso (The Great Silence/ Il grande silenzio)

Direção: Sergio Corbucci

Roteiro: Sergio Corbucci, Vittoriano Petrilli, Mario Amendola, Bruno Corbucci

Elenco: Jean-Louis Trintignant, Klaus Kinski, Frank Wolff, Luigi Pistilli, Mario Brega, Vonetta McGee

Trilha Sonora: Ennio Morricone

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Ibertson Medeiros

Graduado em Direito, sempre quis trabalhar de alguma forma com cinema, pois é uma paixão desde a infância. Cearense, fã dos anos 1970, curte o bom e velho Rock ‘n Roll e um cinema mais alternativo e underground, sem tirar os olhos das novidades cinematográficas.

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