Noite de Lobos | Análise

Jeremy Saulnier, como todo diretor que se preze, começou a carreira através da direção de curtas-metragens. Em 2007, dirigiu o longa Murder Party, primeira parceria com o amigo Macon Blair, e teve uma morna aceitação. A partir de Ruína Azul, de 2013, foi que os holofotes se viraram para o cineasta. O thriller de vingança chamou a atenção pela crueza da violência e contou com Macon Blair, dessa vez como protagonista.

Dois anos mais tarde, o nome de Saulnier já estava forte e teve como arsenal um elenco mais conhecido em seu trabalho posterior, Sala Verde. Anton Yelchin, Imogen Poots, Macon Blair e Patrick Stewart se reuniram em uma história de sobrevivência em um clube de neonazistas punks. A violência e o rock’n roll tiveram ênfases nessa aclamada obra. A próxima película do diretor foi muito aguardada.

Eis que surge Noite de Lobos, seu quarto trabalho, e que tem certas mudanças: um thriller que engana o espectador, leva por caminhos obscuros com sua narrativa intimista, mas não menos violenta. Tem uma cinematografia excelente que aproveita a ambientação misteriosa do Alasca e uma direção evoluída; tomadas aéreas e ângulos de câmera complexos em relação à filmografia anterior. Macon Blair, após ter estreado na direção com a produção Netflix Já Não Me Sinto em Casa Nesse Mundo, achou no canal de streaming a sua nova casa e roteirizou Pequenos Delitos, além do filme dessa postagem. Ainda tem uma ponta como ator em determinado momento de Noite de Lobos.

Baseado no livro de Willian Giraldi, o filme conta a história de um estudioso de lobos chamado Russell Core (Jeffrey Wright), que é chamado por Medora Slone (Riley Keough), uma mãe desesperada que diz que seu filho foi levado por lobos e deseja vingança. Quer que o caçador vá até a região e mate o animal responsável pelo desaparecimento não só do filho de Medora, mas de outras duas crianças. Russell, ao saber que a região é próxima de onde encontra-se a filha, a qual possui uma relação distante com o pai, resolve unir o útil ao agradável e atende ao chamado da misteriosa mulher.

Medora mostra-se uma mulher estranha desde o início, com diálogos sem sentido e falta de ética ao chamar Russell de velho, sem nem ao menos conhecê-lo. Comenta pouco sobre o marido Vernon Slone (Alexander Skarsgård), um soldado veterano da Guerra do Iraque que está longe de casa, e almeja ter alguma resposta sobre o desaparecimento do filho caso Vernon retorne.

O que aparenta ser um filme de sobrevivência à natureza, ao clima frio e nebuloso do Alasca ou a luta contra lobos como o título em português sugere, torna-se algo completamente diferente: uma reviravolta acontece e a narrativa torna-se uma tensa perseguição. O caráter niilista do filme é sempre presente, Russell é a persona do espectador, que adentra a escuridão e, assim como nós que assistimos, aos poucos tenta entender a tênue linha que separa os lobos dos seres humanos. O caráter racional funde-se com o instinto primal. Assim como Thomas Hobbes disse: “o homem é o lobo do homem. Homo homini lupus”.

A devoração da própria carne, a destruição da essência e o completo niilismo. Através dessas metáforas que o filme é construído. A violência desmedida atinge todos naquele estranho vilarejo. A desconfiança dos habitantes locais no homem branco, tudo é envolto em sombras. Russell une-se à polícia sem entender toda aquela selvageria. Donald Marium (James Badge Dale), um oficial prestes a ser pai em uma idade pós quarenta anos (a idade do lobo, diga-se de passagem), experimenta o caos no que parecia ser um simples caso de desaparecimento.

Saulnier mostra o quanto aprendeu na direção e nos brinda com sequências magistrais, como as cenas aéreas que seguem um avião em meio ao ambiente gelado e a excepcional cena de ação que envolve um grande tiroteio. A violência é crua, com muita sanguinolência. As atuações são intensas. Skarsgård interpreta um personagem perturbado pelas barbaridades da guerra. A sequência em que somos apresentados ao personagem mostra o quanto ele é violento ao destruir o inimigo. Em questão de minutos, transforma em chamas o adversário e não pensa duas vezes antes de apunhalar um soldado aliado que esteja fazendo algo errado. Uma performance amedrontadora.

Riley Keough, a neta do rei do rock Elvis Presley, mostra cada vez mais extrema competência para encarar papéis corajosos. Sua personagem é uma incógnita. Jeffrey Wright encarna um sujeito que tenta entender a natureza humana diante dos perigosos lobos que cercam a região. Passa por um verdadeiro purgatório no local, abraça a escuridão para chegar em direção à luz, uma alusão ao título original.  Julian Black Antelope também impressiona com o seu misto de raiva e luto e é dono da mais impressionante sequência do filme.

Toda essa ambientação que deixa o espectador confuso funciona até próximo ao ato final. A sofisticação da direção não compensa o roteiro de Macon Blair, que não busca entregar respostas fáceis, mas acaba se perdendo em meio à trama labiríntica. Deixa uma sensação estranha ao término, como se o diretor quisesse fazer um estudo humano, mas que não soube concluir sua tese. Ainda assim, Noite de Lobos é mais um trabalho maduro do diretor, que tem um ritmo mais cadenciado, mas que exala violência, e no geral acerta o tom. Que venham os episódios dirigidos por ele na terceira temporada de True Detective, em 2019. Um diretor cada vez mais em ascensão, subindo através dos degraus do cinema independente.

Nota: ★★★

Ficha Técnica

Noite de Lobos (Hold the Dark)

Direção: Jeremy Saulnier

Roteiro: Macon Blair

Elenco: Jeffrey Wright, Alexander Skarsgård, Riley Keough, James Badge Dale, Julian Black Antelope

Fotografia: Magnus Nordenhof Jønck

 

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Ibertson Medeiros

Graduado em Direito, sempre quis trabalhar de alguma forma com cinema, pois é uma paixão desde a infância. Cearense, fã dos anos 1970, curte o bom e velho Rock ‘n Roll e um cinema mais alternativo e underground, sem tirar os olhos das novidades cinematográficas.

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