Poltrona Pipoca | O Primeiro Homem
Após uma dinâmica e colorida experiência em La La Land, o diretor Damien Chazelle entrega uma obra densa e dramática para contar a história por trás do mito Neil Armstrong — naquilo que representa algo muito além de um pequeno passo para o homem e um grande passo para a humanidade.
Quem foi Neil Armstrong? É provável que a primeira resposta que vem em mente é de que ele foi o primeiro homem a pisar na Lua, no entanto, o longa de Chazelle chega para desmistificar o astronauta e humanizar a persona marcante de Armstrong. O roteiro assinado por Josh Singer, do premiado Spotlight, é uma bela adaptação do livro de James R. Hansen, O Primeiro Homem: A Vida de Neil Armstrong. O ponto de equilíbrio da história é mostrar o homem atormentado por uma dor silenciosa.
Quando Neil (Ryan Gosling), e sua esposa Janet (Claire Foy), sofrem a perda da filha de 2 anos, decorrente de um tumor no cérebro, vemos o homem se voltar cada vez mais pra dentro de si, uma forma de suportar a dor da perda. Incapaz de superar a morte da criança, toma como por objetivo se aprofundar no treinamento espacial, o programa Gemini, que acabaria no histórico Apollo, para enfim, levar o homem à Lua pela primeira vez. O treinamento extremamente desgastante funciona como uma ocupação para a mente atormentada do homem, uma espécie de punição física para suprir a sensação de impotência por não ter conseguido salvar a criança da morte.
Um personagem emocionalmente complexo que Gosling transmite com competência, mas não com a totalidade cênica que a história necessita. Reconhecemos que há uma atuação muito madura na carreira do ator, mas a presença de Claire Foy, por exemplo, acaba por reduzir a performance dele em algo menos especial.
Visualmente bela, a fotografia se empenha em transmitir as emoções de suas personagens, com sequências bem elaboradas, tanto nas cenas ocorridas no espaço, quanto nas que Neil interage com a família. E vale lembrar, aqui, que espaço e família estão paralelamente ligados ao legado de Neil e suas emoções. A beleza do roteiro traça as conexões entre a concreta realidade do planeta Terra e a inconstância do espaço; distrai Armstrong de seus pesares e o mantém nessa realidade alternativa na qual ele se prende, mesmo quando está em terra firme, permanecendo em órbita e onde quer que esteja.
Reforçando a parceria, Chazelle entregou a trilha sonora a seu fiel escudeiro, Justin Hurwitz, que já trabalhou em seus dois filmes anteriores, La La Land e Whiplash. As viagens espaciais, embaladas pelas composições de Hurwitz, se tornam grandiosas sequências com uma trilha que é, ao mesmo tempo, intensa e terna — assim como o espaço em seu conceito; aquilo que assusta e acalma, simultaneamente.
Perante emoções tão intensas, internas em Neil e externas em Janet, a longa duração da fita (duas horas e trinta minutos), acaba por deixa-lo em estado de inércia em sua parte central. Sabemos, pelos trabalhos anteriores, que Chazelle possui um dinamismo fluente que caracteriza suas obras com uma cadência marcante. Em O Primeiro Homem, o diretor parece desafiar a si próprio com um estilo mais apático e uso recorrente de close-ups — talvez, para causar a sensação íntima e claustrofóbica, mas que em certos momentos acaba se tornando incômoda pelo uso em excesso.
Embora haja essas pequenas falhas no exercício fílmico de Chazelle, a cena final o compensa de todas as formas possíveis, pois amarra com uma beleza única tudo que foi dito até ali. Fotografia, trilha e roteiro em uníssono; a presença do homem com trajes espaciais, um vislumbre para além do astronauta que toca no ser humano frágil. Tudo no filme, e na vida do personagem, caminham para aquele momento e é precisamente difícil não se sentir ansioso pelos acontecimentos. O roteiro de Singer faz as conexões necessárias e a catarse é tocante. A certeza que se tem, quando sobem os créditos, é a de que descobrimos que a aventura do astronauta foi muito além da vitória profissional de ser a primeira pessoa a pisar na Lua. E que, de fato, o passo foi grande para a humanidade, dentro de seu contexto histórico; mas, ainda maior para o homem Armstrong e suas fragilidades.
Nota: ★★★★☆
Ficha Técnica:
O Primeiro Homem (First Man)
Ano: 2018
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Josh Singer, Neil Armstrong, Nicole Perlman
Elenco: Ryan Gosling, Claire Foy, Kyle Chandler, Jason Clarke, Brady Smith, Patrick Fugit
Fotografia: Linus Sandgren
Trilha sonora: Justin Hurwitz