Miss In Scene | Laurie em Halloween
Com o lançamento de mais um capítulo da franquia de filmes de terror dos anos 1970, nada mais justo que uma breve análise da personagem Laurie de Halloween, imortalizada nas telas por Jamie Lee Curtis. No ano de 1978, o roteiro de John Carpenter em parceria com Debra Hill ganhou o público do gênero ao apresentar um filme assustador e tenso, feito de maneira simples em um ambiente que inicialmente deveria ser o de maior segurança: uma casa de família durante um feriado que é sinônimo de diversão.
Este artigo aborda as características da personagem nos dois primeiro filmes da série: Halloween (1978) e Halloween II (1981).
O ano é 1978. O local, Smith’s Grove no estado de Illinois. Laurie, a típica adolescente estadunidense. Ela estuda, se diverte com suas amigas, tem suas paixões, mas ainda assim, apresenta diferenças ao ser comparada com as outras jovens em seu entorno. Enquanto as meninas se preocupam o tempo inteiro com a aparência e com a aceitação dos rapazes, Laurie é a “estranha” que passa mais tempo em casa do que na vida badalada. Ela trabalha como babá várias noites da semana e parece ser um pouco tímida.
Em uma das caminhadas pós aula, na véspera do Dia da Bruxas, a moça se depara várias vezes com a estranha figura de um homem mascarado que parece estar perseguindo-a. O horror está a espreita, aguardando a oportunidade de atacá-la. Em cada arbusto, esquina, sombra, varanda, presente no corpo de Michael Myers, foragido do hospital psiquiátrico.
É interessante pensar que no primeiro filme a família de Laurie sequer é apresentada. O tempo todo é como se ela fosse sozinha. Apenas no segundo filme da série é que nos é contado que Myers a persegue pelo fato dela ser sua irmã. E mesmo com essa revelação, o que vemos é essa garota sempre sozinha, tendo que lutar pela sua vida contra o “bicho papão”.
Toda construção da personagem a coloca em situação de vulnerabilidade que se contrapõe com a sua força de vontade e resistência. Cortada, de pé torcido, abalada psicologicamente, a jovem consegue se manter viva. O encontro dela com Myers parece demarcar sua transição. É como se a inocência quase infantil fosse retirada brutalmente e substituída por um choque de realidade. A casa de cerca branca deixam de ser um lugar de paz e conforto e se transformam em um ambiente isolado e perigoso.
Existe aqui o moralismo punitivista já conhecido da maioria dos slashers ou giallos, nos quais quem cede ao desejo sexual é punido com a morte — uma morte bem sádica e sanguinolenta. E, mais uma vez, Laurie é a prova de que quem se mantém “puro” tem chances de escapar. Porém, não tem a chance de não ser atingido pelo “pecado” alheio.
O corpo de Laurie é violado por meio do medo imposto pelo assassino. Ela perde sua liberdade. Precisa se impor, ser machucada, sentir dor para renascer. Podemos ver essas características como as mudanças da transição da adolescência para vida adulta. No primeiro filme, a moça assume a responsabilidade de zelar pelas crianças enquanto suas amigas — a representação da levianidade —, optam por “cair no mundo”. No segundo, é ela por si só, isolada em um hospital — incrivelmente vazio e sem movimento — no qual a ideia de ambiente protegido cai por terra quanto na(s) casa(s) do filme anterior.
A final girl preferida de muitos, assim como a maioria das mulheres vítimas das violências culturais, sobrevive “atrevidamente” criando um padrão de resistência. Ao fim do segundo filme, ao vermos a imagem desgastada de Laurie, podemos pensar no quanto somos fortes, mas estamos cansadas.
Quer ler mais sobre corpos femininos em filmes de terror? Recomendo este artigo da Gabriela Müller Larroca, que encontrei em minhas andanças pela internet.