Bang Bang | Bravura Indômita (2010)
Como já dito antes aqui na seção, o faroeste foi o gênero cinematográfico mais popular por muitas décadas e, a partir de 1960, sua decadência começou a ser notada até chegar ao momento atual, em que poucos filmes nesse contexto são produzidos. No entanto, neste século tivemos belas surpresas, incluindo Bravura Indômita — uma refilmagem (indicada a 10 estatuetas douradas) do clássico de mesmo nome de 1969 que rendeu o único Oscar ao lendário ator John Wayne.
Esse remake de 2010 conta com a genialidade de Joel Coen e Ethan Coen, no qual constroem toda a narrativa pela usual veia do humor negro (a cena do índio que tem sua fala interrompida para ser enforcado é um dos muitos exemplos) e com a criação de situações e diálogos cômicos até em cenas que deveriam ser puramente sérias, por lidarem com tensão e violência.
A trama simples, que envolve justiça e vingança, rende a exploração da desmistificação do herói por meio de uma sátira. Mattie Ross (uma surpreendente atuação de estreia no cinema de Hailee Steinfeld) tem seu primeiro contato com Rooster Cogburn (papel que rendeu mais uma indicação ao Oscar para Jeff Bridges) quando este fazia suas necessidades fisiológicas e, quando finalmente o vê, cara a cara, o mesmo está num tribunal, onde se estabelece sua natureza truculenta e ambiguidade moral por ter seu rosto parcialmente iluminado.
O sotaque carregado que fica difícil de compreender, a respiração pesada e o alcoolismo latente geram uma roupagem atípica para um protagonista no western, enquanto a jovem de 14 anos é mais madura que sua idade impõe (e esse contraste é feito de modo brilhante através do figurino maior que seu corpo), decidida, a todo custo, a realizar seu objetivo — estendendo essa característica com sua maneira de negociar com um senhor muito mais experiente.
Logo, apesar do título ser um adjetivo direcionado ao protagonista, o que se nota também é a bravura e coragem aparecer na garota, que chega a atravessar o rio com seu cavalo, além de atirar no algoz de seu falecido pai.
Já o personagem LaBouef (vivido por Matt Damon) é a alegoria da disciplina e orgulho. Mesmo que Cogburn seja também um agente federal, o abismo entre os dois, que trabalham em função do país, é evidente: enquanto um é a imagem da seriedade e autoridade (antes de visualizarmos sua face, vemos primeiro suas esporas — símbolo de sua profissão), o outro é o retrato da informalidade.
Além disso, o roteiro se nega a impor o clássico idealismo figurativo do gênero em relação aos dois, uma vez que um não consegue mirar e atirar com precisão por vários fatores e o outro não age diante de um número de pessoas que lhe deixam em desvantagem.
Portanto, a jornada serve para a trama avançar e explorar a própria desconstrução desses três personagens. Com os rótulos já dados, o que é visto são os julgamentos errôneos dos mesmos, já que cada um (no final) prova seus valores, mesmo que falhos como humanos.
Assim, a índole de alguns indivíduos se torna ambígua, como também a personalidade e atitudes de muitos são inesperadas. A comprovação está no personagem de Josh Brolin que não é um assassino frio e cruel, mas sim frágil diante de seus companheiros; e no líder da gangue (Barry Pepper) que, até em situações extremas, apesar de ser perverso, cumpre sua palavra.
A força da obra também reside em seu âmbito visual através da fotografia do mestre Roger Deakins que contribui de forma habitual com os filmes dos irmãos Coen. De maneira constante, vemos personagens marcados fisicamente para expor suas imperfeições (tapa-olho, língua cortada, boca deformada e a mancha de pólvora cicatrizada na face), a perspectiva subjetiva da protagonista em momentos-chaves (quando conhece esses dois homens da lei, por exemplo) e também a iluminação quase divina que recai sobre o personagem de Bridges no instante em que realiza o derradeiro ato heroico.
E o terço final pode gerar uma interpretação em relação ao sentimento paterno da garota. O desejo suprimido e inconsciente que tem por Cogburn como uma espécie de segundo pai é sutilmente posto em tela por meio de seu olhar de admiração quando o vê no cavalo para salvar sua vida, tendo o toque de seus lábios em sua pequena mão para retirar o veneno como metáfora para a manifestação da paternidade.
Com isso, o plano que a revela já adulta sob uma silhueta e com uma árvore seca ao seu lado representa sua solidão e sua falta de conexão com as pessoas ao seu redor — não sendo à toa que tenha viajado para encontrá-lo após tantos anos para exteriorizar essa afeição que nutriu por tanto tempo.
Bravura Indômita é mais uma tentativa bem sucedida dos irmãos-diretores-roteiristas de explorarem temas humanos e criticarem o próprio sistema do país; mas agora com o faroeste de plano de fundo para concretizar o paralelo com a atualidade, onde injustiça, corrupção e imoralidade são dissecadas e colocadas numa lente desafiadora, por serem assuntos complexos o bastante a ponto de não serem identificados em várias situações com facilidade.
Nota: ★★★★★
Ficha técnica
Nome Original: True Grit
Ano: 2010
Direção: Ethan Coen e Joel Coen
Roteiro: Ethan Coen e Joel Coen (adaptação do livro de Charles Portis)
Elenco: Jeff Bridges, Hailee Steinfeld, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper, Domhnall Gleeson, Dakin Matthews, Paul Rae
Montagem: Ethan Coen e Joel Coen (com o falso nome de Roderick Jaynes)
Fotografia: Roger Deakins