Poltrona Pipoca | Bohemian Rhapsody
Um dos motivos para que o Queen tenha se tornado uma das bandas mais marcantes da história do rock foi sua ousadia. Eles nunca se sentiam confortáveis fazendo mais do mesmo, desde suas músicas, nas quais sempre procuravam ousar e mesclar vários gêneros, até suas vidas pessoais, que foram no mínimo polêmicas. O reflexo da banda vinha principalmente de seu vocalista; Freddie Mercury era um cara único dentro do cenário, ousado e cheio de ideias, nunca acomodado e cheio de energia — que era liberada em suas performances dentro e fora dos palcos.
A obra tem a proposta de mostrar como a banda foi formada e como Freddie (Rami Malek) lidava com a mesma e com sua vida pessoal. Fica perceptível que o longa tem sérios problemas, fruto de sua conturbada pré-produção, quanto a pegada, é bem conservadora, o que, se tratando de Queen, chega a ser ofensivo. A direção do Bryan Singer não traz uma personalidade, não vemos reflexo de seu trabalho nos personagens, apenas em alguns momentos (como em certos movimentos de câmera), e são muito raros.
O roteiro do Anthony McCarten segue a linha genérica de seus últimos trabalhos, cheio de diálogos bobos, que tentam causar algum tipo de efeito no público, mas falhando na maioria dos casos. Em meio disso, tem os atores tentando fazer o possível com um material raso e com vários de problemas.
A atuação de Rami Malek como Freddie Mercury é competente e tem seus momentos, mas a sua prótese bucal para lhe deixar mais parecido com o músico o limita, afeta sua voz e dicção. Assim como o roteiro também o atrapalha em incorporar o personagem, utilizando frases que soam não naturais para certas situações, tornando o personagem mais artificial. Freddie foi uma pessoa que se sentiu só em vários momentos no começo de sua carreira, principalmente quando o resto da banda começou a constituir suas famílias. O resultado disso foram festas absurdas, cheias de álcool e drogas. Aí que o filme começa a desviar de quem era realmente o protagonista.
Sendo conservador ao mostrar seu abuso de drogas (o tema é tratado de forma superficial, mostrando o personagem bebendo e fumando cigarros apenas), sua vida sexual bastante displicente também fica resumida a alguns encontros e olhares. Um resumo desinteressante, que vai contra o que foi a vida do cantor.
O filme também aborda da forma mais ridícula possível o seu relacionamento com a família; procura mostrar diversas vezes como sua ascendência da Tanzânia é motivo de deboche dentro da sociedade britânica daquela época, mas ignora os conflitos com seu pai, entregando soluções fáceis. É constrangedor, já que no primeiro ato do longa nos é entregue essa barreira no relacionamento entre eles, algo que poderia fazer o personagem crescer, mostrando seus medos, decepções e rancor por todo o preconceito que o cerca.
O filme funciona muito bem quando a banda está no palco ou compondo as músicas. Mesmo que o relacionamento entre os integrantes não se aprofunde o suficiente, a química entre eles é aceitável. Quando estão em estúdio trabalhando na música que dá título ao filme, o diretor acerta a mão em desenvolver a situação de forma mais cômica, mas ao mesmo tempo perde um pouco de força por não mostrar de um modo mais complexo as exigências de Freddie com a banda.
É clichê elogiar a trilha sonora do filme, principalmente quando se trata de uma cinebiografia do Queen, mas as músicas realmente animam, a vontade de cantar durante os shows é bem presente. A única ressalva é que a própria banda tirar sarro de uma de suas melhores músicas para enaltecer outra, algo que duvido muito que aconteceria realmente.
O filme falha miseravelmente quando se trata de desenvolver os outros integrantes da banda, mostrando-os como bonzinhos para suas famílias e tornando apenas o Mercury a ovelha negra. Sabemos que todos ali têm sua parcela de culpa para a banda ter se separado em certo momento, que nenhum ali era um santo como o filme prega e que suas vidas com as famílias também não eram perfeitas. Soa até um pouco preconceituoso, o único integrante da banda que não é puramente britânico ser o único a ter vícios e falhas que levariam ao parcial rompimento da banda.
Os erros históricos também incomodam, os envolvidos simplesmente resolveram ignorar os visuais do protagonista de acordo com a época e fazer do jeito que mais lhe agradavam. Um exemplo é quando o Queen vem ao Brasil pela primeira vez: Freddie já tinha adotado o visual de cabelo curto e bigode, mas, no filme, ele aparece de cabelo longo. Chega ser ofensivo um filme biográfico tratar com tanto desdém coisas desse tipo.
A descoberta de Freddie sobre sua doença também soa artificial. Só está ali porque o personagem realmente passou por isso, mas não tem muita força no filme, sem conseguir passar uma mensagem que seja relevante nos dias de hoje. Nem quando ele revela aos companheiros o que está passando emociona — só assistimos apáticos, esperando que entre alguma cena em que a banda suba em um palco, ou componha outra música.
No fim, temos uma belíssima cena em que a banda volta a tocar junta no Live Aid e que vale bastante, pois a performance do Malek funciona muito bem, mesmo com um chroma key bem ruim. O significado daquele show é gigantesco e, por saber disso, o público pode se emocionar, mas não exatamente por competência da produção.
Bohemian Rhapsody é um filme superficial e conservador, cheio de soluções fáceis e que conta mais com um certo carisma que seu protagonista pode trazer nas cenas dos shows e por suas músicas, do que contar uma história verdadeira de uma das mais relevantes bandas de todos os tempos.
Nota: ★★✰✰✰
Ficha Técnica
Direção: Bryan Singer
Roteiro: Anthony McCarten
Elenco: Rami Malek, Lucy Boynton, Gwilym Lee, Ben Hardy, Joseph Mazzello, Aidan Gillen, Allen Leech, Tom Hollander, Mike Myers, Aaron McCusker, Meneka Das, Ace Bhatti, Priya Blackburn
Fotografia: Newton Thomas Sigel
Trilha Sonora: Brian May, Freddie Mercury, John Deacon, Roger Taylor
Montagem: John Ottman
Direção de Arte: Rachel Aulton, David Hindle, Stuart Kearns, Hannah Moseley, Alice Sutton