Miss in Scene | Brooklyn
Os sentimentos de saudade e de se sentir um peixe fora d’água numa cultura diferente podem ser de identificação universal. Brooklyn também não é essencialmente um coming of age. Mas é, sim, a trajetória de amadurecimento de uma mulher jovem; o caminho de encontro com ela mesma e sua felicidade. De certa forma, uma história sobre o amor — e não somente do tipo romântico.
Ambientado no início da década de 1950, o filme de John Crowley (baseado no romance de Colm Toibín) evoca o charme da época, mas também as convenções sociais, rígidas em especial com relação às mulheres.
Ao deixar sua cidade natal, na Irlanda, Eilis Lacey (Saoirse Ronan) sente toda a onda de medo do desconhecido e da solidão. Mas, se há algo de positivo em estar distante daquele lugar, talvez seja a possibilidade de se ver longe de fofocas e picuinhas — aquelas típicas de cidade pequena, onde todos se conhecem.
Para seu desprazer, no entanto, a pensão da Sra. Kehoe (Julie Walters) por vezes lembra o falatório de sua vizinhança irlandesa. Algumas das moças que moram ali parecem mais preocupadas com futilidades ou com a vida alheia, o que é totalmente contrário às aspirações da protagonista: Eilis é uma jovem com objetivos definidos e cabeça no lugar. Não chega a ser recatada ou certinha demais; apenas preserva seus valores, não se deixando influenciar com a frivolidade de suas colegas.
Enquanto o objetivo mor de algumas das garotas aparentemente é encontrar um bom partido que as leve ao altar, nossa “heroína” prefere focar sua energia em cada chance que lhe é dada para alçar voos com as próprias asas.
É interessante ver, por exemplo, que ela é a única mulher em sala de aula no curso noturno de contabilista. E é, ainda, aluna exemplar. Trabalha durante o dia atendendo madames em uma loja de produtos chiques e mergulha em números à noite, tudo em nome de uma vida melhor para ela, e para sua mãe e irmã, que ficaram na Irlanda.
Mas nem tudo é trabalho, esforço e saudade na vida de Eilis. A moça encontra no italiano Tony (Emory Cohen) alguém com quem finalmente se sente à vontade. Uma pessoa que, mesmo vindo de uma família completamente diferente do que ela estaria acostumada e tendo outro tipo de vivência, a compreende sem julgamentos.
O amor também é uma descoberta que a faz crescer enquanto ser humano. A obriga, inclusive, a colocar na balança suas perspectivas de vida, seus desejos, planos e sentimentos.
A forma como o filme explora sua dúvida entre ficar na Irlanda, onde aparentemente teria tudo o que foi buscar — ou acabou encontrando — em Nova York (um bom emprego, pessoas queridas, um amor), ou retornar para a América e continuar de onde parou mostra, acima de tudo, como é lidar com expectativas. O que a mãe de Eilis espera dela? E seus amigos e conhecidos da Irlanda? Quais as esperanças de Tony? E a pergunta decisiva: o que Elis espera dela mesma?
É como se duas vidas existem em uma única Eilis. Ela precisa apaziguar passado e presente dentro de si e tomar decisões que nunca são fáceis.
O crescimento e amadurecimento da personagem ali, diante dos nossos olhos, é inegável. E é lindo de ser ver. Porque em um tempo em que mulheres tinham um destino quase pré-definido e muitas lutavam para quebrar padrões (e pela possibilidade de que, mesmo as que ficavam passivas a isso, tivessem o direito de se libertar de amarras, sem julgamentos), aquela jovem diferente e ao mesmo tempo tão normal precisou e conseguiu fazer escolhas difíceis. Se tornou dona de seu próprio destino, domou seus medos.
O vazio causado por saudades e incertezas é preenchido, enfim, por amor. Um amor por ela mesma e sua nova vida.