Poltrona Pipoca | As Viúvas
Steve McQueen se consagrou com seu último filme, ao levar o Oscar, mas já vem chamando atenção desde sua primeira obra. Em Fome, ele estabelece sua estética, visualmente seus filmes são bem parecidos e isso não é algo ruim — em 12 Anos de Escravidão fez algo diferente de acordo com a proposta de sua obra.
O britânico sempre vem com boas ideias narrativas, contando suas histórias de uma maneira bem particular, mesmo abordando premissas simples. Aqui, ele nos apresenta um grupo de criminosos que estão em meio a um assalto. Durante a ação, eles acabam mortos e deixam suas esposas com dívidas, assim, elas terão que se organizar e efetuar um assalto para se livrar das ameaças.
É bem básico e parece até clichê, mas McQueen subverte o gênero e foca em falar sobre empoderamento feminino e sua luta pela liberdade. É interessante como o diretor faz questão de expor todas as viúvas completamente perdidas e de luto, mas focando, principalmente, em suas lutas diárias em manter a si mesmas e suas famílias.
Esse foco direto se limita, especialmente, em Veronica (Viola Davis), Linda (Michelle Rodriguez) e Alice (Elizabeth Debicki), deixando Amanda (Carrie Coon) de lado. Isso é um problema que durante boa parte do filme incomoda, pois não faz sentido ela ser a única a não aparecer na reunião, mas é justificado mais à frente.
Gosto de como o roteiro consegue dividir bem o protagonismo entre as três, McQueen mantém isso narrativamente bem equilibrado: na primeira hora de filme, ele consegue desenvolver bem a relação das três, explorando suas diferenças. O problema é exatamente quando mais personagens são introduzidos, acabam ficando em segundo plano e não trazem muita coisa para a trama.
Jack Mulligan (Colin Farrell), Tom Mulligan (Robert Duvall), Jamal Manning (Brian Tyree Henry), entram como personagens mais políticos, levando a trama para algo além do plot principal — nisso tudo, o filme passa de um personagem para outro, sem aprofundar o suficiente.
O que chama atenção dentre estes personagens secundários é Jatemme Manning, vivido pelo excelente Daniel Kaluuya, ele traz quase um espírito animalesco a seu personagem, movido por violência e poder. O olhar de seu personagem é ameaçador a ponto de nos fazer não querer encontrar com o mesmo na rua. Acho improvável, mas seria justo ele aparecer nessa próxima temporada de premiações.
Como disse acima, o diretor tem um estilo bem particular de contar suas histórias, e tem uma cena em que isso fica bem evidente. Certo momento, Jack Mulligan e sua assistente Siobhan (Molly Kunz) saem de um pequeno comício e entram em um carro, a câmera fica fixa e capta apenas parte da frente do veículo, mostrando, mais a fundo, o ambiente por onde passam. Sem mostrar os dois, que estão dentro, ouvimos apenas sua conversa e visualizamos o percurso, enquanto discutem sobre diferenças sociais com desdém nas ruas. De um bairro mais pobre, com a população mais negra, prédios e casas bem humildes, vamos adentrando em uma região mais branca, com ruas mais limpas, estruturas mais caprichadas.
São nesses detalhes que McQueen faz questão de deixar suas críticas, indo além do óbvio e se aproveitando de tudo que cerca aqueles personagens para contar algo a mais. O único problema nisso, é que são poucos momentos em que o filme nos entrega isso. Se trabalhasse com menos personagens, poderíamos ter uma obra bem mais direta em relação à própria trama e suas alfinetadas.
Outro ponto em que a obra deixa a desejar é em sua montagem. Na verdade, em toda filmografia do diretor temos esse problema, em alguns casos não foram exatamente um problema tão destacado assim, mas aqui é evidente que McQueen tem algumas boas ideias, mas a conclusão é bizarra. Um exemplo são os flashbacks do filme, a montagem faz com que as transições pareçam bem artificiais, nos tirando da trama. Esse artifício serve para tentar mostrar como Veronica está lidando com seu luto, mas para mim, funcionam bem melhor quando a personagem está em casa, segurando uma taça de vinho, sem música, algo bem cru, com um plano mais aberto de seu apartamento, expondo sua solidão.
As Viúvas é mais um bom trabalho de McQueen que investe em seus personagens. Mesmo não conseguindo trabalhar bem com todos, nos entrega uma trama que prende, na maioria do tempo. Falha em sua montagem e ao introduzir muitos personagens que não são realmente importantes, deixando outros com mais relevância sem um desenvolvimento mais caprichado. Explorando de maneira bem competente o empoderamento feminino e a desigualdade social que nossa sociedade está vivendo.
Nota: ★★★★✰
Ficha Técnica
Direção: Steve McQueen
Roteiro: Gillian Flynn, Steve McQueen
Elenco: Viola Davis, Michelle Rodriguez, Elizabeth Debicki, Liam Neeson, Jon Bernthal, Manuel Garcia-Rulfo, Carrie Coon, Robert Duvall, Colin Farrell, Brian Tyree Henry, Daniel Kaluuya
Fotografia: Sean Bobbitt
Trilha Sonora: Hans Zimmer
Montagem: Joe Walker
Direção de Arte: Gregory S. Hooper, Heather Ratliff