Fotogramas | A Descoberta de Truman
O Show de Truman é o tipo de filme que coloca o espectador em pleno estado de reflexão para fazê-lo questionar sua própria realidade. Muito mais do que simples entretenimento, a obra de Peter Weir cumpre uma das funções mais especiais do cinema que é o autoquestionamento, assim como as Artes em geral. É com uma cena simples em seu desfecho que o roteiro abre o inicio da catarse de seu protagonista; o trecho em que Truman descobre a realidade além daquela que lhe era oferecida.
Como complemento ao contexto da cena, lembro que nosso herói inicia sua jornada quando um holofote cai de fora de sua casa. Na etiqueta, o nome Sirius representa a estrela mais brilhante, aquela que os viajantes usam como orientação, simbolizando o início da aventura de Truman dentro do seu próprio mundo. Na cena final, ele perfura as paredes do mundo ou, em outras palavras, perfura a própria parede pessoal.
Após atravessar uma intensa tempestade em alto mar, controlada por Christof (Ed Harris), criador e diretor do reality show, Truman bate seu barco contra uma imensa parede estampada com as cores do céu e perfura aquilo que seria o limite do estúdio. Aqui, a atuação de Jim Carrey atinge seu melhor momento, quando os olhos daquele homem confusamente encantado se assemelham aos de uma criança que descobre algo novo pela primeira vez na vida.
A trilha melancólica conduz o personagem até uma pequena e estreita escada, que leva Truman a uma porta que diz “Saída”. O diretor do show decide se apresentar, tal como uma visão divina de um indivíduo em seu último minuto de vida. Para Christof, aquela porta representa a morte de seu pupilo, enquanto que, para Truman, representa seu nascimento.
Após encontrar os limites de sua realidade, Truman inicia o diálogo com Christof, e o roteiro delineia as ideias de metáforas e simbolismos escondidos no filme. O que o criador diz ao homem é algo que resume maravilhosamente a questão explorada em todo o longa: a Alegoria da Caverna, de Platão.
Pra explicar sem muitos rodeios, a Alegoria da Caverna é um experimento sobre um grupo de pessoas que estão presas em uma caverna durante toda a vida, vendo apenas sombras da vida real projetadas na parede à sua frente. Se essas pessoas saíssem da caverna e vissem o mundo real, vissem as pessoas por trás das sombras, seria traumático demais e iriam querer voltar àquilo a que estavam acostumadas. O Show de Truman é basicamente o mesmo experimento, só que em escala muito maior.
A cidade fictícia, Seahaven, representa a caverna e as pessoas nela são as sombras. Há muito além disso: existe um mundo “real”, mas Truman não sabe. No diálogo da cena, Christof diz: “Não existe mais verdade lá fora do que existe nesse mundo que criei para você. Lá tem as mesmas mentiras, os mesmos enganos, mas no meu mundo você não tem nada a temer.” Christof dá a Truman uma escolha: permanecer no mundo e permanecer ignorante ou enfrentar a realidade.
True man (um inteligente jogo de palavras que representa a verdadeira e única realidade de todo aquela megalomania), é claro, escolhe a segunda opção. Ele escolhe sair da caverna e viver o que é real. O personagem permanece em silêncio diante da expectativa de milhões de espectadores ao redor do mundo e dos apelos de Christof. Quando se vira, Jim Carrey e sua expressão memorável entregam a fala mais icônica do filme: “Caso não os veja novamente, uma boa tarde e uma boa noite”. Ele agradece ao público, e mergulha na incrível realidade que o espera; a ascensão ao desconhecido. A cena é emblemática e não acaba quando termina. Entender as motivações de Truman é entender a nós mesmos e o modo como estamos lidando com realidade e liberdade.
Confira a cena: