Miss in Scene | A Esposa

 

A esposa dedicada, que dá apoio para o sucesso do marido, é um papel até clichê em Hollywood. Geralmente à sombra de seu cônjuge, ela está ali para manter tudo em ordem, enquanto o protagonista vai ao encontro de feitos grandiosos para a humanidade e para a história. É verdade que ela tem sua importância, seu mérito, afinal, não é tarefa nada fácil ser o ponto de proteção e união de uma família. Mas, ao serem retratadas no cinema, ficam na imagem de coadjuvantes, vítimas das circunstâncias (ainda que sejam agentes ativas na história) ou sofredoras. Parecem existir na narrativa apenas para dar profundidade ao homem protagonista, como é o caso da personagem de Claire Foy em O Primeiro Homem, por exemplo.

Isso tudo é apenas reflexo de uma “lógica de mercado” que paira sobre toda a indústria da arte e do entretenimento, há anos. A Esposa, filme do sueco Björn Runge, vem discutir essa problemática em duas frentes: dentro da história (expondo o machismo no mundo da literatura e das artes) e “fora” (quando coloca a figura da esposa em evidência, protagonista do longa).

Joan Castleman e seu marido Joe são acordados nas primeiras horas da manhã por um telefonema. Do outro lado da linha, a voz informa: Joe Castleman foi escolhido como o vencedor do Nobel de literatura. A emoção do casal é quase palpável… Mas, há algo a mais no olhar de Joan. Durante os dois primeiros atos do filme, a câmera insistente de Runge mergulha nas expressões da esposa emocionada, porém visivelmente perturbada. Só uma atriz do calibre de Glenn Close conseguiria dar a profundidade necessária à personagem, através de seus olhares e expressões. Mas, o que a estaria incomodando tanto? — o espectador se pergunta.

Bem, há o óbvio: Joan parece ser exatamente a mulher que abriu mão de si mesma para se dedicar ao papel de esposa do escritor. Em seu discurso após vencer o Globo de Ouro de Melhor Atriz em Drama, Close disse lembrar muito de sua mãe que, aos 80 anos, dizia não ter realizado nada de grandioso na vida. Seria esse, então, o motivo dos olhares de Joan? Arrependimento por ter desistido de tudo que poderia ter conquistado profissionalmente para se dedicar à família? Uma pontinha de inveja do sucesso de Joe?

Enquanto na linha do tempo mais atual a vemos organizar os remédios, procurar os objetos do marido, garantir que ele nunca esteja precisando de nada; alguns flashbacks — relativamente mal encaixados no filme — nos mostram como o casal se conheceu e se envolveu na universidade, onde Joe era professor e Joan, uma promissora aluna. Apesar de nos trazerem respostas importantes para a narrativa, tais flashbacks acabam sendo o elo mais fraco do longa, tanto por representarem um problema de ritmo na obra, quanto pela atuação anos-luz mais fraca que a apresentada por Glenn Close e seu companheiro de cena, o também veterano Jonathan Pryce.

Quebras de ritmo à parte, é um filme pertinente porque desmascara o machismo do mercado editorial. É a partir do olhar ao passado de Joan que compreendemos por que ela desistiu da possibilidade de se tornar uma autora renomada e agora a vemos como o braço direito de Joe. E é intrigante o pavor que ela tem a qualquer menção que ele possa fazer para agradecê-la em público por ser justamente o que todos veem: a esposa.

Apesar de algumas falhas, sobretudo no casting coadjuvante — que, além da participação competente de Christian Slater, não acrescenta muito brilho dramático à produção — e na montagem, A Esposa é bem-sucedido. A atuação contida, mas que explode na hora certa, de Glenn Close é, de fato, o atrativo mor. Mas, talvez tão interessante quanto a performance da atriz, seja o fato de finalmente podermos ver retratado na tela que existe um ser feito de anseios, medos, talentos e tantos outros atributos, dentro da orgulhosa esposa. E segredos, muitos segredos.

É um filme que não vem para necessariamente militar contra o machismo ou mostrar como as coisas deveriam ser. Seu papel é outro: convidar o expectador à reflexão em relação a todas as decisões difíceis e nem sempre corretas ou favoráveis que mulheres que vivem à sombra de um companheiro precisam tomar. O que fica mais evidente pode ser colocado em dois ditados clichês: “não julgue um livro pela capa”, pois “por trás de um grande homem, sempre há uma grande mulher”.

Nota: ★★★★✰

Ficha Técnica:

Título original: The Wife

Ano: 2018

Direção: Björn Runge

Roteiro: Jane Anderson

Elenco: Glenn Close, Jonathan Pryce, Max Irons, Christian Slater, Annie Starke, Harry Lloyd

Montagem: Lena Runge

Fotografia: Ulf Brantås

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Roseana Marinho

Roseana é publicitária e acha que os dias deveriam ter pelo menos 30h para trabalhar e ainda poder ver todos os filmes e séries que deseja. Não consegue parar de comprar livros ou largar o chocolate. Tem um lado meio nerd e outro meio bailarina.

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