Miss in Scene | A influente presença feminina em Mulheres do Século XX
A construção da personalidade de um ser humano tem uma sincera conexão com o tempo e com o lugar em que estamos existindo. Essa tal construção é especialmente influenciada pelas pessoas que nos cercam, pelos valores que as definem e pelo tempo em que cada uma delas vive. Essas conexões, o elo de fortalecimento entre nós mesmos e as gerações que nos unem, estão intimamente ligadas ao prisma feminino da família.
A mulher, assim como a fêmea no mundo animal, gera e alimenta, fortalecendo o indivíduo para a aventura da vida. E nas relações seguintes (não apenas a materna), o contato vem de outras formas e efeitos distintos. Mulheres do Século XX traz uma visão muito intimista dessas relações, mostrando como a presença feminina entrega diretrizes ao homem na formação de seu caráter.
Na Califórnia de 1979, numa casa em constante reforma vive Dorothea (Annette Benning), uma acolhedora mãe de meia idade e divorciada, se vê confusa na criação do filho Jamie (Lucas Jade Zumann), seu fiel e inseparável companheiro que está passando pela sublime e explosiva transição da infância para a juventude.
A tarefa se torna ainda mais complexa quando Dorothea sente o grande vão entre gerações que a separa, cada vez mais, de seu filho. Ela, nascida em 1929; ele, em 1964. Dentro desse contexto, ainda contamos com a presença de mais duas figuras femininas: Abbie (Greta Gerwig), uma fotógrafa punk tentando se recuperar de um câncer e Julie (Elle Fanning), melhor amiga e amor platônico de Jamie.
A preocupação materna, e sua total falta de lida com o filho e com a geração da qual ele faz parte, faz Dorothea pedir que Abbie e Julie a ajudem na criação do garoto, já que as meninas têm uma visão mais contemporânea do mundo. Essa ideia, que a princípio parecia um tanto peculiar, começa a criar vínculos emocionais mais estreitos, usando desse inocente conforto como uma forma de endireitar seus próprios rumos.
Para Abbie, a aproximação com Jamie faz surgir uma relação fraternal e é nesse sentimento fraterno que ela busca inspirar no jovem a “adolescente” que nunca conseguiu ser. Com ela, Jamie cultiva uma nova percepção sobre as mulheres, fazendo aflorar pensamentos feministas, que o levam a uma conexão mais direta com sua mãe: buscando tentar entendê-la e decifrá-la. A relação entre Jamie e a jovem fotógrafa é um divisor de águas no desenvolvimento moral do jovem; compreendendo as mulheres por outro ângulo, além de seu ponto de vista masculino, permite que enxergue a mãe de forma mais ampla e empática.
Diferente da relação fraterna com Abbie, a aproximação com Julie desperta o desejo e a descoberta sexual, abrindo portas para emoções que até então ele reprimia, numa constante falta de coragem para se abrir emocionalmente em relação aos sentimentos que sentia por ela. Julie, por sua vez, longe do amigo, é livre em suas aventuras sexuais; mas com ele, procura usar a aparência inocente como um mecanismo de defesa, fugindo das intenções reprimidas de Jamie; mantendo-o intacto e imaculado na zona da amizade; buscando, ali no quarto, e no menino, um refúgio para abrigar e confiar suas complexas frustrações.
Desse contato, o desejo reprimido e a influência da convivência com Abbie, resultam num rompante de coragem. E ainda que as consequências tenham sido frustrantes, surge ali um rapaz muito mais esclarecido acerca dos relacionamentos humanos. Essa rica troca de experiências com estereótipos femininos tão distintos leva à vida de Jamie novas cores e perspectivas.
Nesse ínterim, Dorothea percebe a importância de compreender e aceitar o tempo e o mundo ao seu redor — para assim, compreender o filho e a si mesma. Ainda que essa compreensão acerca das complexas psiques que a rodeiam não tenha sido completamente satisfatória, o prazer das conexões se tornou primordial, pois todos acabam por se transformar; cada um dentro de seus limites emocionais
No entanto, a catarse mais bonita de se observar vem do menino Jamie — num momento, imaturo, confuso e um tanto egoísta; em outro, empático e generoso. O tocante é que, mesmo sem perceber, essas mulheres influenciaram paralelamente a formação moral de Jamie, e num efeito secular acabaram por modificar a si mesmas.
Mike Mills, diretor e roteirista, com suas pinceladas autobiográficas, desenha nas três personagens principais os traços de sua própria mãe — e de personas femininas que foram importantes na construção de seu caráter e personalidade. Assim, ele traz esse delicado recado da mulher como influente e protetora presença na vida do homem.