Outlander | 4ª temporada

[Esta análise contém spoilers]

Escolhas: toda adaptação de literatura para formato audiovisual precisa fazê-las. Seja para manter à mostra o caráter e a personalidade de seus personagens em um modelo dramático mais palatável para as telas, seja para se ajustar a um orçamento limitado — ou ambos —, é necessário um balanço para a melhor maneira de contar a história sem perder sua essência. Em sua 4ª temporada, Outlander faz um bom trabalho nesse aspecto. Ainda que não tenha agradado tanto alguns fãs sedentos por cenas de amor entre os protagonistas Claire e Jamie, a série escolhe bons caminhos para contar a história de Tambores do Outono, o 4º volume da saga escrita por Diana Gabaldon.

Drama sem melodrama

Um dos acertos está no tom dramático sob medida. Em uma temporada repleta de encontros e reencontros emocionantes, seria fácil descambar para um melodrama quase mexicano. Realmente, são muitas as oportunidades em que podemos ficar felizes em ver dois personagens finalmente juntos em tela.

Primeiro, temos o retorno de Murtagh (o ótimo Duncan Lacroix). A decisão tomada ainda na 3ª temporada de manter viva uma figura tão querida pelo público se provou inteligente, já que ele pode ser movido com facilidade entre os plots, economizando até mesmo na necessidade de introdução de alguns novos personagens, o que ajuda a tornar tudo menos novelesco.

Há também a visita de Lord John Grey (David Berry) junto com o (já nem tão) pequeno Willie (Oliver Finnegan) ao Fraser’s Ridge, em um episódio que rende apenas uma das várias ocasiões em que Sam Heughan se destaca na temporada. O ator parece ainda mais confortável na pele do escocês das Terras Altas, Jamie Fraser.

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Os vários reencontros de Roger (Richard Rankin) e Brianna também emocionam, mas é claro que o reencontro mais esperado era o da jovem, vivida por Sophie Skelton, com sua família. E aqui, o tom foi muito bem pensado, em uma emoção serena que só ameaça uma explosão maior quando Claire (a sempre excelente Caitriona Balfe) entra em cena — o que é perfeito.

Essa é também a temporada em que vemos os Fraser se estabelecendo na América, depois da tempestade que os levou ao litoral da Georgia. Sendo Claire uma mulher do futuro — e até à frente de seu próprio tempo em algumas questões — que já demonstrou incômodo ao ver seres humanos sendo escravizados no século XVIII, nada mais natural que o assunto volte a ser abordado no excelente episódio Do No Harm, onde o casal se vê em uma posição difícil relacionada às leis da terra na época. Inclusive, é bem satisfatório ver que os roteiristas e produtores optaram por uma abordagem ao tema um pouco mais forte do que é apresentado nas páginas de Gabaldon, durante a primeira passagem dos protagonistas por River Run.

Se o assunto é a América sendo colonizada no século XVIII, a relação com os nativos também é explorada, ainda que de forma relativamente resumida. Ao menos, a “comparação” com os escoceses, tendo suas terras invadidas e seus costumes reprimidos pelos ingleses, fica bem clara — de forma até expositiva, na verdade — e também não deixa de ser uma oportunidade para falar mais de racismo e até mesmo colocar o tema imigração na pauta. Afinal, quem é o dono da terra? Quem decide quem pode prosperar ou não na América?

O cruel Stephen Bonnet

Outro grande trunfo é o vilão Stephen Bonnet. Desde que demos adeus a Black Jack Randall havia essa carência por uma figura que pudesse ser odiada com tanto afinco. Agora, a vaga foi ocupada e Ed Speelers faz um ótimo trabalho dando vida ao pirata debochado e, no mínimo, desalmado.

Sua falta de humanidade é mostrada desde o primeiro episódio, mas o ápice vem em Wilmington; e para mostrar o aspecto cruel do personagem não foi preciso sequer da performance do ator em cena. A câmera vaga por outros cômodos e o espectador tem apenas os gritos do horror que acontece na sala ao lado. Uma das sequências mais arrepiantes e chocantes de todos os tempos em Outlander, mexendo com o psicológico do público.

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Claire e Jamie x Bree e Roger

Outlander pode ser a história de Jamie e Claire. Mas, não seria Brianna parte primordial disso? É inegável o crescimento da personagem. Como fruto do amor do casal, ela passa a ter uma participação maior no enredo e, naturalmente, já que agora é adulta, ganha também o seu próprio plot. Bree, como é carinhosamente chamada, também tem direito a sua história de amor, que é tão verdadeira quanto a de seus pais e também atravessa o tempo.

Por que não dar então à Sophie Skelton, que melhorou muito da terceira temporada pra cá, e ao ótimo Richard Rankin a chance de dividir os holofotes com Balfe e Heughan? Os produtores apostaram nisso e o resultado foi certeiro tanto para enxugar a narrativa quanto para nos levar junto na jornada emocional — e emocionante — de Bree e Roger. O episódio Down The Rabbit Hole reflete exatamente a expectativa da personagem, da mesma forma que nós, espectadores, ficamos na esperança de ver Jamie e Claire.

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Adapte-se

A realidade é que uma adaptação será sempre isso: uma adaptação. Não uma cópia fiel de seu material-fonte, não uma materialização da imaginação de leitores, nem um alcance das expectativas do público. É, no máximo, uma interpretação conjunta de realizadores sobre aquele material, um mix de visões das pessoas envolvidas. Principalmente em uma série de TV, onde é preciso manter um ritmo por vários episódios (no caso de Outlander, 13) sem perder o fio da meada, e com um material tão longo como as mais de mil páginas por volume dos livros de Gabaldon, é necessária essa curadoria minuciosa.

De uma forma ou de outra, o core está todo lá: o ódio contra Stephen Bonnet independe necessariamente do anel que ele roubou; as cirurgias de Claire continuam a colocando em uma posição de liderança em determinados momentos da história; Jamie continuou sendo um bravo herói e conseguindo o respeito dos vizinhos nativos, ainda que não tenha tido seu “momento Leonardo DiCaprio” em O Regresso tal e qual no livro.

É claro que nem tudo são flores e que eles pisam na bola aqui e ali. Um efeito visual esquisito em tela, um figurino estranho, etc. Mas, assim como acontece em outras séries adaptadas (como Game of Thrones ou The Handmaid’s Tale), é importante entender as duas versões da história como irmãs, e não como uma mesma coisa. Afinal, foram as bem-vindas escolhas que fizeram a 4ª temporada de Outlander se aproximar do clima da 1ª.

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Roseana Marinho

Roseana é publicitária e acha que os dias deveriam ter pelo menos 30h para trabalhar e ainda poder ver todos os filmes e séries que deseja. Não consegue parar de comprar livros ou largar o chocolate. Tem um lado meio nerd e outro meio bailarina.

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