Persona | Joel Barish (Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças)

 

Para quem está acostumado a ver Jim Carrey como um detetive de animais cheio de caras e bocas; um pai mentiroso; um homem que encontra uma máscara que o muda completamente; um jornalista que ganha poderes divinos; entre outros papéis de comédia repletos de caretas, vozes e fisicalidade — é surpreendente vê-lo em uma persona mais séria e estável como Joel Barish. Sua interpretação no filme de Michel Gondry se distancia até de outras oportunidades em que o ator apareceu mais contido em cena, como em O Show de Truman.

O trabalho corporal, apesar de mais sutil, não deixa de ser impressionante: ombros encurvados, tensos; cabeça levemente abaixada a todo o momento; olhar tristonho que não consegue fixar em um mesmo ponto por muito tempo, demonstrando uma inquietude interna suprimida por sua tensão. Até o sorriso de Joel carrega uma melancolia indescritível.

Em seus primeiros minutos, Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças nos apresenta um homem comum, sem grandes acontecimentos na vida, como se tivesse apenas existindo em sua rotina sem graça de mais um inverno. É a postura de uma pessoa insegura, que passou por decepções diversas e tenta, instintivamente, se proteger do mundo. Toda a sua melancolia vem de um movimento inconsciente, de dores e amores que se misturam em um mesmo espaço em sua mente.

Até na forma de se expressar Joel demonstra sua falta de entusiasmo com a vida. “Legal”, o adjetivo mais efusivo que consegue encontrar para descrever pessoas de quem gosta ou experiências positivas. E, em sua voz, sequer há uma entonação mais exclamativa. Joel é estável, imutável. É como se em sua concha de proteção não houvesse espaço suficiente para muitas variações emocionais.

Com poucos amigos e quase nenhuma paciência para conversas casuais com os vizinhos, Joel existe entre outros seres humanos, mas sua solidão é inegável. Tal isolamento só é quebrado quando ele se envolve com Clementine Kruczynski (Kate Winslet), a moça de madeixas coloridas cuja vivacidade parece passar, ainda que em doses de conta-gotas, para Joel. Ela é o “sopro de cor” em sua vida cinzenta. Um alento que, de certa forma, o torna mais vivo.

Mas, depois da fase da lua-de-mel de início de relacionamento, ele se retrai novamente para sua conchinha de isolamento e as diferenças entre os dois começam a despontar. Joel é sensibilidade, Clem é vivacidade; ele é retraimento e ela, espontaneidade. É a falta de acolhimento mútuo de suas personalidades que deteriora a relação — como se aqueles traços da moça que, enquanto eram novidades, lhe davam vida, agora minassem a sua paciência e causassem um curto-circuito.

Com auxílio da Lacuna Inc., o passeio por sua mente nos leva a descobrir não só seus momentos com Clementine, mas alguns acontecimentos marcantes de sua infância. A sua relação com os demais meninos do bairro revela um garotinho de coração mole, inocente e de boas intenções, de quem as outras crianças caçoavam. Provavelmente, esse foi um dos gatilhos para que ele se tornasse esse homem com a necessidade constante de se proteger dos outros e do mundo.

Mesmo sendo doce, ele carrega, escondida, uma certa amargura. É como se sentisse o tempo todo uma paulada da vida em iminência, se aproximando, cada vez mais. A própria escolha de apagar a ex-namorada de sua memória com a ajuda da tecnologia é mais do que simples despeito por descobrir que Clementine fez o procedimento — demonstra um desespero em se livrar de um vazio que ficou e parece incurável.

Há quem veja em Joel Barish alguém entediante e desinteressante. Em um mundo onde alegria é obrigação e o importante é sair sorrindo na foto, não é de se estranhar que Joel passe como esquisito. Mas, ali há muito mais que um ser antissocial: há um homem de emoções profundas e intrincadas, tão humano que poderia ser qualquer um de nós. Uma interpretação complexa e bem construída do gênio da comédia em um dos melhores dramas do cinema moderno.

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Roseana Marinho

Roseana é publicitária e acha que os dias deveriam ter pelo menos 30h para trabalhar e ainda poder ver todos os filmes e séries que deseja. Não consegue parar de comprar livros ou largar o chocolate. Tem um lado meio nerd e outro meio bailarina.

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