Horrorscópio | Sonâmbulos

O filme inicia, a tela negra abre e nos créditos a seguinte mensagem: “Sonâmbulo, de origem humana e felina, criatura de perfil nômade e vulnerável ao arranhão do gato. Alimenta-se da força vital de fêmeas virgens. Eis a provável origem da lenda dos vampiros”.

Lançado em 1992, Sonâmbulos é baseado em contos não publicados por Stephen King, com direção de Mick Garris (parceiro do autor em outras fitas como Tempestade do Século, Saco de Ossos e a releitura de O Iluminado para a televisão). A trama tem traços das maiores obras de King, como a noção de algo paranormal e personagens envoltos em poderes sobrenaturais que ocultam a natureza em uma aparência pacata; uma forma de ser sociável e aceito na humanidade.

Em Travis, Indiana, conhecemos mãe e filho: Mary Brady (Alice Kriege, que lembra muito Isabelle Huppert mais nova) e Charles (Brian Krause), duas pessoas misteriosas, que vivem de forma tranquila, sem chamar atenção da vizinhança. Só que, por trás das aparências, existem figuras diabólicas e segredos que são descortinados para o público: esses dois seres são criaturas híbridas, espécie de metamorfos, meio humanos e felinos, que se alimentam da energia vital de jovens virginais.

A trama nos coloca próximos dessa intimidade e do caráter dúbio dos personagens. Sob a noção social, são figuras que exercem os papéis morais e familiares de mãe e filho; sob a convivência segredada, se envolvem em um relacionamento incestuoso, possessivo e alimentado com fidelidade. Mary e Charles são criaturas, por isso, se acasalam e se envolvem como animais, ligados por instinto. Garris exibe essa tônica de incesto, quase como um “complexo de Édipo”, quando mãe e filho dançam, ao som de “Sleepwalk”, de Santo & Johnny ­ e transam sem pudores — além de um thriller, temos um filme que flerta com um teor sexual bastante evidente.

De certa maneira, a trama coloca dois personagens como se fossem vampiros, mas sob uma ótica diferenciada, usando elementos simbólicos de divindades egípcias (a mensagem que abre o filme tem essa tônica). Aos poucos, sabemos que tanto mãe quanto filho são duas personas antigas que, ao longo dos séculos, passam a mudar de países em busca de seres humanos para servirem de alimentos, preservando, assim, a juventude eterna. Só que para tal, precisam matar mais mulheres virgens — uma referência, por sua vez, à clássica história de Elizabeth Bathory, conhecida como “Condessa de Sangue”; considerada uma das maiores assassinas da história por ter matado mais de 600 vítimas. Assim como a figura mitológica da condessa, o roteiro (também de Stephen King), investe na caça constante de Mary e Charles por vítimas potenciais.

É quando entra na trama a jovem Tanya (Mädchen Amick), o arquétipo perfeito de virginal, beleza escultural, e vítima padronizada de filmes de slasher. A jovem se envolve com Charles — a sequência em que ela dança ao som de “Do You Love Me”, da banda The Contours, com uma vassoura na mão e walkman, é um dos pontos mais altos do filme! Sem saber que o loirinho esconde algo mórbido por trás do rosto de traços perfeitos e sorriso contagiante, a moça se rende. Garris não enrola muito no desenrolar dos fatos, vinte minutos são suficientes para que a fita coloque a virginal entregue à armadilha que seu namoro se converte. E logo parte para um festival que flerta com humor negro, gore e sangue (principalmente, na meia hora final).

“Eram sonâmbulos, escondidos em vestes humanas, alimentando-se de virtudes”

A história é straight forward, sem firulas; após uma hora de projeção, situações mais tenebrosas são evidentes: como este conto ocorre em uma pequena cidade interiorana, logo as reais identidades de Mary e Charles vêm à tona; gatos se posicionam em frente à sua casa (não é explicado, mas notamos que os felinos se atraem pelas figuras vampirescas dos dois); e a pobre vítima Tanya passa a ser caçada pelos dois, lutando pela vida do meio para o final da ação. Embora a direção seja sem tanta personalidade, Garris cria tensão palpável — a sequência em que Charles se transforma em monstro e ameaça um policial que se mantém ao seu encalço, correndo atrás dele pela floresta, é feita com uma câmera que assume a posição em primeira pessoa e submete o público àquela atmosfera de horror. Ou quando Tanya quase tem sua vida “sugada” por Charles e rola com ele pelo chão de um cemitério (referência ao clássico Cemitério Maldito), a câmera gira em 180 graus para exibir o teor de vertigem da situação.

Sonâmbulos transmite medo, apesar de redondo e com efeitos especiais um tanto envelhecidos. Mas, é uma trama bem ao estilo de King. E ainda insere gags e referências de seu conhecido universo. Um filme de horror com pitadas de humor que consegue atrair o público atual tão fanático por formatos desse gênero. A fita ainda tem pontas de Clive Barker (escritor e diretor de filmes como Hellraiser); Joe Dante (Gremlins); John Landis (Um Lobisomem Americano em Londres); Ron Perlman (o herói título de Hellboy); Tobe Hooper (diretor do primeiro O Massacre da Serra Elétrica) e o próprio Stephen King. Vale a conferida!

Nota: ★★★✰✰

Sonâmbulos
Ano: 1992
Direção: Mick Garris
Elenco: Madchen Amick, Brian Krause, Alice Krige
Roteiro: Stephen King

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Cristiano Contreiras

Publicitário baiano. Resmungão e sentimental em excesso. Cresceu entre discos de Legião Urbana e Rita Lee. Define-se como notívago e tem a sinceridade como parte de seu caráter. Tem como religião o cinema de Ingmar Bergman. Acredita que a literatura de Clarice Lispector seja a própria bíblia enquanto tenta escrever versos soltos sobre os filmes que rumina.

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