Clube Cartoon | Alice no País das Maravilhas (1951)
Nos últimos quase 150 anos, desde quando a obra Alice no País das Maravilhas foi publicada, houveram inúmeras tentativas de trazer os romances de Lewis Carrol para o cinema e para a televisão — sendo a versão de 2010 de Tim Burton a mais recente adaptação. Mas, dentre essas, a que se destaca é a animação de 1951, da Disney, que, apesar de algumas falhas, capturou com sucesso a maravilha do livro. Walt Disney tentou traduzir o livro para animação por quase trinta anos antes do lançamento do filme, frequentemente revisava e dava os devidos tratamentos. Na estreia, foi recebido com forte resistência e críticas, mas encontrou uma nova aceitação através dos anos 1960 e 1970, ao lado de outras animações psicodélicas, como Fantasia. Agora, é considerado um clássico da Disney.
Quando Alice (Kathryn Beaumont) cai em uma toca de coelho, ela entra em um mundo onde nada é o que parece, habitado por criaturas estranhas e animais falantes, comandados pela Rainha de Copas (Verna Felton), que governa a terra com punhos de ferro. A história, embora seja vendida como um divertimento para crianças, pode ser vista como uma exploração filosófica do mundo real. Logo no início do filme, a menina está lendo um livro de História; uma escolha que diz ao espectador que Alice está interessada em descobrir o mundo, mas que é apresentada à apenas uma versão superficial e controlada. A mente infantil, reprimida pela imposição dos adultos, cria uma versão de mundo só sua, com tudo aquilo que lhe agrada e, ao adormecer, passeia pelo universo que inventou.
Quando mergulha naquele desconhecido e se vê envolta em situações aleatórias, a criança vai, lentamente, fazendo sentido no mundo que arquitetou. Ela é confrontada com todas as aparências e obstáculos que compõem esse espaço. Não é de se admirar que toda vez que come ou bebe alguma coisa, ela se torna muito grande ou muito pequena. Toda verdade que entra em contato, cada escolha que faz, resulta numa montanha russa de emoções; se sente grande diante das conquistas ou pequena como uma formiga em face do que ainda está para ser descoberto.
Dentro desse contexto, que envolve muitos personagens e um enredo confuso, Alice é uma espécie de “everygirl” — uma lousa em branco que tem de reagir às coisas que acontecem com ela. Não é de personalidade passiva e tenta ao máximo manter algum controle em toda aquela loucura, e talvez seja a primeira heroína da Disney a ter um temperamento, irritando-se com alguns dos personagens que a levam longe demais.
Uma vez que você está ciente de que a história toda é fruto da imaginação de Alice, em retrospecto, o filme faz um ótimo trabalho simulando como é o fluxo desordenado de um sonho e a diversidade de elementos. A direção de arte da designer Mary Blair usa cores ousadas e audaciosas, aliadas a um surrealismo inesquecível, tornando a jornada colorida e psicodélica. Existem conceitos abstratos e bizarros que são apresentados com naturalidade em conversas que não fazem sentido; eventos e locais que seguem um para o outro sem propósito ou lógica, gerando o desconforto. Naturalmente — e aos poucos —, o sonho de Alice se escapa dela e se transforma em um pesadelo, fato que a faz desejar retornar para o mundo real, do qual ainda tinha certo controle.
Mesmo com um tempo extenso de fita, o que pode comprometer a experiência do espectador, Alice no País das Maravilhas é uma obra agradável de apreciar com todas as cores, personagens nonsense e a notável interpretação de Kathryn Beaumont por detrás da animação. Uma história profunda sobre como a curiosidade pode levar a problemas — e como ela também pode ser altamente gratificante num mundo repleto de coisas a serem descobertas.
Nota: ★★★
Ficha técnica
Nome Original: Alice in Wonderland
Ano: 1951
Direção: JClyde Geronimi, Hamilton Luske, Wilfred Jackson
Roteiro: Winston Hibler, Ted Sears, Bill Peet, Erdman Penner, Joe Rinaldi, Milt Banta (Adaptado do livro de Lewis Carrol)
Elenco: Bill Thompson (Coelho), Ed Wynn, Jerry Colonna, Kathryn Beaumont (Alice), Sterling Holloway, Verna Felton (Rainha)(adaptação do livro de Felix Salten)
Trilha Sonora: Oliver Wallace, Joseph Dubin